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SICalhadas de torneira aberta

Dando notícias da seca que assola Portugal, a SIC veio ao reino perceber as razões que levam os consumidores da nossa república popular a esbanjar água que lhes chega pelas torneiras. Disseram eles que deitar água fora baixa o preço da factura o que sendo (mais) uma originalidade política da edilidade justifica que lhe tenha sido dado tempo de emissão em prime-time.

Com oportunidade para explicar ao país mais esta originalidade nacional, a autoridade maior mostrou-se indisponível para “prestar declarações” desaproveitando esta possibilidade de marcar a diferença e até de ensinar os congéneres autarcas opções alternativas de gestão autárquica.

Também hoje o Jornal de Notícias pega neste assunto dando-lhe atenção de primeira página, mas isso pouco interessará pois como se sabe o titular da comunicação agora entende que isso dos jornais é coisa pequena.

Desaproveitando a oportunidade que lhe foi dada de explicar a originalidade da coisa, optou a Autoridade para rabiscar um comunicado até para ensinar toda a gente que isto de gestão do bem público é com ele e que depois de estudar o assunto o resolve em duas penadas.

A Mosca esteve no edifício da Câmara e pode atestar que o assessor-de-imprensa-sem-poderes foi chamado ao gabinete do chefe e recebeu um rascunho de última hora. Podia ter sido escrito em folha de mercearia cubana, mas foi desenhado num computador moderno do século XXI e reza assim:

“Desde 2004 que a gestão da água em Paços de Ferreira foi entregue a uma empresa privada.

  1. Em consequência disso, Paços de Ferreira teve, durante largos anos, a água mais cara de Portugal, facto ultrapassado em maio de 2017 como é do conhecimento público. 
  2. Nessa data o preço do tarifário da água doméstico foi reduzido em 50%, sendo que o tarifário de Paços de Ferreira, está hoje abaixo da média nacional e é o mais baixo da região. 
  3. É sabido que as empresas privadas que gerem sistemas de água e saneamento aplicam em Portugal e no mundo tarifários elevados, obtendo com isso fabulosos lucros, através de contratos de concessão leoninos em que está sempre previsto a possibilidade do privado poder exigir às entidades públicas (câmaras municipais) reequilíbrios económicos/financeiros de montantes brutais, a serem pagos sempre pelos impostos das populações, numa atividade sem qualquer risco para o privado. 
  4. Verdadeiramente estas empresas não vendem água mas vivem à custa de modelos económicos/financeiros especulativos, lesivos das populações e, consequentemente, das entidades públicas. Por exemplo, em 2004 o modelo económico que serviu de base ao contrato de concessão concelho previa um crescimento da população em Paços de Ferreira a atingir os 85 mil habitantes, quando na realidade não ultrapassa os 56.000. 
  5. O Executivo Municipal de Paços de Ferreira tem-se empenhado no sentido de resolver um problema que herdou, defendendo o interesse público mas sempre condicionado pelo contrato assinado em 2004 que não pode ser «simplesmente rasgado». 
  6. Em função desse contrato e das cláusulas ali previstas, a empresa privada que gere água e saneamento no concelho exige que os cidadãos de Paços de Ferreira paguem mais de 100 milhões de euros a título de reequilíbrio económico-financeiro da concessão, situação que o atual Executivo sempre contestou e continuará a contestar;
  7. A única solução para o problema é reverter a concessão para o domínio público e a câmara municipal passe a deter o poder de gerir a água e saneamento no concelho, impedindo as práticas abusivas e especulativas na prestação deste serviço, como aquela que foi reportada num órgão de comunicação social, sendo que é com este objetivo que o executivo municipal continua a trabalhar.
  8. Assim, o atual Executivo Municipal mantém o compromisso de devolver à esfera pública municipal a gestão da água no concelho, para evitar e terminar situações como as que são relatadas;
  9. Empresas privadas a gerir sistemas de água e saneamento conduzem necessariamente a situações absurdas, incompreensíveis, caras, especulativas, assentes num quadro legal complexo que protege sempre a parte privada, que pode exigir sempre indemnizações/compensações/reequilibrios por alterações tarifárias”. 

Os estupores dos capitalistas afinal são os causadores das dores de cabeça provocadas pela SIC e também autores materiais e morais desta injustiça que obriga o povo a desperdiçar água das torneiras para pagar menos. Caminhe-se assim para a municipalização dos serviços como grande horizonte político para os últimos dias de mandato que a Autoridade não está para menos e não vacilará na luta contra o capital.

Acontece contudo – e a Mosca sabe – que sem capital não há melões e que os actuais detentores do contrato de concessão nele estão sentados confortavelmente e até agradecem que a edilidade socialista queira resgatar o mesmo, pois disso tirarão o proveito. Nos gabinetes dos gestores do fundo que tutela o contrato de concessão as contas estão feitas.

No Gabinete da Autoridade tem-se estudado muito este dossier. Como rasgar o contrato já se sabe como é. Como pagar também se sabe que é com uma pipa de massa. Falta apenas arranjar a massa para encher a pipa. E assim surge a impossibilidade da coisa que atazana a cabeça do ideólogo maior – depois do comunicado que mandei publicar como me vou sentar com esses mafarricos capitalistas? Para fazer valer o ideal do municipalização onde encontrar o perfume do Capital?

Pois é, a vida custa! Podem acreditar que a Mosca sabe e pode testemunhar, ser presidente à custa da guerra da água e terminar o mandato com as torneiras abertas para poupar, é coisa mesmo do diabo que afinal é um capitalista do pior.


Eu vejo, eu cheiro, eu sou mosca. E por isso vou andando por aí e disso darei notícias se me permitirem.