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À ESPERA
casa das artes
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O tio Joaquim regressa à política

O nosso tio Joaquim, tanoeiro de Vila Verde, com saudades da dona Glória – que Deus tem – mas ainda cheio de vida casou em segundas núpcias com uma boazona de 30 primaveras e recordou os suores de verão, maravilhas experimentadas à noite. Veja a história:

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O prazer do dia é-lhe garantido pelo cigarro que lhe alimenta o cérebro, coisa que descobriu ser fonte de prazer, aliás percebendo o efeito do gesto do seu avó quando ainda pequeno o via a tirar rapé de uma pequena lata e o metia no nariz.

O seu avó acalmava depois do acto, ficava bem disposto e perguntava-lhe, disposto a ajudar, “como vai a vida rapaz?”

Era a senha que permitia ao pequeno Quim fazer as perguntas da vida que só quem tem a acumulação do anos pode e sabe responder.

E foi assim que o nosso tio Joaquim cresceu na sabedoria dos dias, percebeu as manobras do tempo e construiu uma vida segura, calma, de sucesso, sem cair na tentação de viver com o dinheiro dos outros, muito menos dos bancos, até porque a Dona Glória – sua primeira (e única!) mulher – lhe lembrava que era melhor viver do dinheiro das pipas e da venda do barro na feira de Barcelos.

Mas a gente está sempre a aprender, e depois da despedida da “Glorinha, meu amor”, do exercício do poder como presidente da Junta e de outras coisas que a política oferece, o tio começou a coçar a cabeça para tentar perceber por que motivo começava a sentir a comichão da solidão e até – vá lá Deus explicar porquê – um certo desinteresse pela vida.

Os vizinhos que sempre nutriram uma verdadeira amizade pelo homem das pipas notaram esta inclinação para o isolamento e cedo perceberam que era melhor “ajudar o home” pois não podia “acabar assim”. Na memória de todos estava a necessária gratidão de ter “roubado ao PSD” a junta que, depois dele, ficou para os socialistas!

A conversa com o senhor Abade

E se a voz do povo é a voz de Deus, o padre Francisco – Chico prós amigos – abeirou-se dele, no Centro de Dia, pôs-lhe a mão nas costas e perguntou:

  • Atão, tio Chico, está bom tempo, como vai essa saúde?
  • Oh senhor Abade….

Os olhos do tio ficaram com lágrimas, pois perguntar-lhe como ia o tempo era o mesmo que lhe lembrar o tempo que interessava que era aquele em que abraçava a Glória e sorria mesmo quando ela lhe dava um raspanete por isto ou aquilo que devia ser mudado… Mas a Glória está nas mãos de Deus e por isso evitava falar dela, porque falar dela até parecia pecado.

Preferia lembrar-se dela sem palavras, porque estas não lhe vinham à língua para dizer o que sentia pela sua ausência. Preferia puxar o cigarro, bufar o fumo e desejar que este chegasse ao céu….e abraçasse a “Glorinha”.

Percebendo do que se trata, o padre Chico lá adiantou:

  • Tio Joaquim, a vida continua, faça-se a vontade de Deus!
  • E qual é?
  • Que “viva e viva com abundância”…
  • Na minha idade?
  • Atão!!!

Depois do segundo cigarro seguido, ficou o tio a magicar nas falas do senhor Abade … e no fim do terceiro veio-lhe à cabeça a pergunta:

  • Viver e viver com abundância? Porra, isso pode ser bom, mas como se estou prá aqui sozinho e em casa rodeado de pipas e dos cacos da minha Glória?

No dia seguinte, em vez de ir ao Centro de Dia, foi ao café da aldeia. Eram pra aí três da tarde, altura em que os amigos da idade comum também aparecem para conversas entrecortadas, entre biscas e trunfos, e lá se falou do que era preciso.

Como de costume da vida dos outros, e depois aquelas picadelas entre amigos:

  • Oh Quim, ontem foste-te confessar ao padre?
  • Ele é meu amigo, olha que me disse uma coisa que ando prá aqui a rabiar sobre ela…
  • Que te disse ele?
  • Estou a tentar perceber, mas disse que devo “viver e viver em abundância”?
  • Falou de dinheiro, queres ver?
  • Não, falou de amigo. Antes de abrir a boca deu-me um abraço e fiquei a pensar no que disse. É do caraças.

O jogo acabou, a tarde também e o tio Joaquim regressou a casa, experimentando o purgatório da casa vazia. Comeu pouco do que havia e dormiu.

Na quinta-feira voltou ao Centro de Dia com a esperança de ver o padre Chico. Com ele podia desabafar, até dizer asneiras porque ele achava que não era pecado e até ajudava a limpar alma. E assim foi:

  • Oh grande tio Joaquim, tudo bem? meu amigo!
  • Vai andando, fiquei a pensar no que me disse…
  • E então, está melhor?
  • Com a graça que Deus dá!
  • Deus dá-lhe graça?
  • Olhe que dá. Também me dá paz. Dá-me uma comichão serena… está a perceber? Gosto de falar com ele, de tarde, na sombra do meu limoeiro.
  • Comichão?
  • Sim, senhor Abade, Deus é um vício, sabe?
  • Vício?
  • Sim, já reparou que quando nos esquecemos dele, ele volta a aparecer na nossa cabeça?
  • Oh tio Joaquim, está-me a dar um nó cego…
  • Não está a perceber, é?
  • Estou a ver, nunca tinha pensado nisso, mas tem piada!
  • Sim, Deus tem piada. E olhe que é teimoso, volta sempre!
  • E na paz que lhe dá, disse-lhe alguma coisa?
  • Disse, olhe que parece que disse e por isso quero falar consigo, senhor abade
  • Então diga
  • Disse-me que “não é bom que o homem esteja só” . Será que me estava a dizer para encontrar mulher?
  • Oh tio Joaquim, quem sabe: olhe que pode ser boa ideia! Deixava de estar sozinho, é sempre bom estarmos acompanhados nesta peregrinação da vida…

Ao falar de peregrinação o tio Joaquim sentiu tristeza porque foi invadido da lembrança da partida da “Glorinha” para as mãos de Deus. E a conversa foi interrompida e por isso adiada para outra ocasião.

  • Tio Joaquim, gostei muito de falar consigo, na próxima quinta pomos a conversa em dia?
  • Se Deus quiser, voltamos a falar!

Sete noites depois deu-se o reencontro com o tio Joaquim decidido a avançar na sua decisão que precisava da “benção do Chico” porque nestas coisas da vida, nada melhor do que saber o que pensam os homens de Deus.

  • Senhor Abade, essa coisa de arranjar mulher, na minha idade
  • Não há idade para viver tio Joaquim, a vida foi-nos dada para experimentar o perfume dos dias
  • Perfume?
  • Perfume, sim, quer dizer a alegria de estarmos vivos e partilharmos o que somos com alguém, por exemplo com os amigos, está a ver?
  • A ver estou; mas deixe-me ver se estou a perceber: se eu arranjar mulher, nesta idade, encontro o perfume da vida. É isso?
  • Exactamente!
  • Oh senhor Abade, eu para ter uma mulher tenho de casar, não é?
  • Disso não percebo muito…
  • Então eu explico: Como o senhor abade sabe, não há perfume sem flor. Quer dizer eu volto a encontrar a alegria da vida na mulher que encontrar
  • Sim, sim…
  • Mas a Santa Madre Igreja diz-me que só posso ter sexo se casar. Isto na minha idade….
  • Oh tio Joaquim, o senhor pôe-me cada problema….
  • E eu casar não quero…. mulher só há uma, a minha Glorinha e mais nenhuma!
  • Oh tio Joaquim. Cá pra nós, eu vou dizer-lhe uma coisa que fica em segredo, nesta conversa de homens. Tem de me prometer que não conta a ninguém.
  • A minha boca ficará fechada, e dela não sairá palavra…
  • Ai se o meu bispo sabe…. Mas olhe, tem duas hipóteses
  • Duas, eu só preciso de uma!
  • De facto a Santa Madre Igreja só permite o sexo na casamento. É certo. É o que está escrito. Mas já pensou que pode cumprir o preceito se o fizer com uma mulher casada!  Assim é sexo no matrimónio, está a ver?
  • Oh senhor Abade, mas isso é sexo com a mulher do outro!
  • Mas se ninguém souber!
  • Oh padre Chico, você tem cada coisa….
  • Estou a tentar uma solução, quem sabe
  • E qual é a outra, disse que tinha duas
  • A outra é arranjar uma moçoila nova, sei lá, andam pra aí tantas à espreita!
  • Com casadas não, vou pensar…, mas vou ter que arranjar mulher, casar e que a minha Glorinha me perdoe!
  • Pronto tio Joaquim, vamos lá a isso e se precisar de ajuda já sabe. Estou aqui todas as quintas feiras. Gosto muito de falar consigo.

Na sexta feira, o tio voltou ao café da aldeia, não para jogar mas para ver se estaria lá o Jornal de Notícias pois queria ver se por lá se poderia ler algum anúncio. Sentou-se na mesa do canto, pegou no jornal, saltou a página da necrologia para se esquecer da idade e aumentar a crença de uma hipótese que lhe permitisse encontra o perfume da vida.

E assim foi. Dentro de um rectângulo, o seguinte texto: “Mulher Com Terras Procura Homem Com Tractor”. E de seguida aparecia um número de telefone que não se reproduz aqui para manter a privacidade. O tio Joaquim decorou o número e  voltou a casa mais cedo deixando os amigos a perguntar-lhe se não ia uma sueca pois o Manel faltara e era preciso mais um.

  • Hoje não, vou para casa, coçar a cabeça!

A noite foi longa, nunca mais acabava. O sol estava caro, não se via. Depois de muito coçar, a cabeça andava à roda com a lembrança “mulher com terra procura homem com tractor.”.. Santo Deus! O que hei-de fazer?

É certo que terras também ele tinha, mas tractor só ele. Deus foi generoso na acto da criação e todo o homem o traz dependurado. Mas telefono ou não telefono? para senhora de distrito de Braga com o indicativo 253? De onde será ela? De longe? Será vizinha? Casada ou solteira? Tantas perguntas, Nossa Senhora de Fátima valei-me! E ligou:

  • Tá lá! É a senhora que quer tractor?
  • Tou?! Tractor? eu quero “home”, está a perceber?
  • Eu também tenho terras, sabe?
  • E tractor têm?
  • Com a graça de Deus
  • E o senhor donde é?
  • Moro aqui em Vila Verde
  • Pois olhe, eu sou de Póvoa de Lanhoso, conhece?
  • Conheço
  • Atão viu o que quero no jornal, foi?
  • Eu li
  • Pois claro, senão não estava a ligar, não é. Está-se mesmo a ver.
  • A senhora é casada, solteira ou viúva
  • Casada, casada já quase que fui, viúva também, mas olhe, sou solteira porque nesta coisa de tractores a Póvoa de Lanhoso não é famosa. Não sei se me está a perceber!
  • Estou a tentar, e a senhora é menina pra que idade?
  • Olhe, ando nos trinta. E se quer saber, sou mulher para a vida; nada me mete medo e vou sempre em frente!
  • Está bem, olhe eu sou de Vila Verde mas ando nos setenta….
  • Está bem, é perto; desde que o tractor funcione, logo se vê.
  • Aqui em Vila Verde as festas de Santo António são em Junho
  • Olhe e aqui as de São José são em Março, tem bandas e tudo
  • Aqui além das bandas temos lenços de namorados
  • Namorados? Estou a perceber; então como é, você vem aqui ou vou eu aí?
  • Vamos combinar, mas olhe qual é a sua graça?
  • Graça? Estás agora com piadas, é?
  • Desculpe, qual é a sua graça ou de outra maneira qual é o seu nome, como se chama a menina?
  • Ah, estou-te a ver. O meu nome são três
  • Três
  • Sim, Albertina no baptismo – que eu sou mulher de igreja – Tina prós amigos – que eu sou da minha terra – e Tininha, mas aqui só pra quem eu quero, está-me a perceber?
  • Olhe, e eu sou Joaquim, tanoeiro prós clientes.
  • Está bem, mas atão como é; vens ver as minhas terras ou vou eu ver as tuas?
  • Como estamos na Páscoa podias vir cá pelo Santo António….
  • Combinado, não esqueças o meu número que agora vou ligar para o jornal para tirar o reclame que aquilo custa 150 euros por dia.
  • Estou a ver que és poupadinha, ainda bem.
  • Pois sou, depois explico-te.

Da Páscoa ao Santo António são mais ou menos três meses, tempo para o tio Joaquim se ir habituando à ideia de voltar a ter companhia, ir falando sobre isso com o abade Chico e tentar perceber qual seria a reacção dos amigos quando soubessem que o seu tratctor voltara à liça (ou trabalho, quer dizer).

Os noventa dias passaram rápido, o Santo António chegou e em Vila Verde entrou a Albertina, de baptismo, e Tininha, de desejo, numa tarde de sol minhota, isto é, cheia de música, danças, doces e muito vinho verde. Sentaram-se os dois num banco longo de madeira por baixo da mesa onde a festa se via, tanta era a abundância para se comer. Numa mesa de todos que entravam e saíam e onde os dois, se viam pela primeira vez, na descoberta do que poderiam buscar um no outro.

O tio Joaquim não tinha muitas esperanças nas coisas, mas pretendia dar seguimento à “vontade de Deus”, a Albertina verificar da qualidade do motor, embora sem confessar, e com interesse em descortinar a potência da reforma do tanoeiro que acumulava com as poupança da tia Glória arrecadadas nos anos idos na feira de Bracelos.

A fome juntou-se assim com a vontade de comer; e dadas as necessidades diversas, mas juntas, lá foram falando, cada um tentando saber do outro aquilo que mais lhe interessava:

  • Oh Albertina, então a menina é solteira?
  • Oh Quim, claro que sim, queres ir ao Registo Civil ver, é?
  • Não, estou só a conversar, sabes que fui casado e agora sou viúvo
  • Eu também já quase que fui, tive de encornar um mecânico lá da terra e faltou pouco pró matar
  • Estou a ver que és decidida
  • Sim, sim, é sempre em frente. Comigo é assim, até à vitória final
  • Vitória final?
  • Pois, temos de “viver e viver em abundância”, já não sei onde ouvi isto!
  • Estou a ver, olhe que também penso o mesmo “viver e viver em….”

Depois de sairem da mesa, Quim e Tina atravessaram a multidão que esperava a procissão sob o olhar curioso dos minhotos locais interessados em descortinar quem seria aquela santa, ou anjinho, que tendo vindo de longe amarrara o estimado tanoeiro, havendo mesmo quem entre dentes dissesse baixinho, “quem de longe vem, ou esconde ou bens não tem”.

Seja como for, e no cumprimento dos preceitos do Senhor, o tio Joaquim que nunca foi mosca mole, ia olhando de soslaio para a rapariga Tina (quase Tininha), e ela sabendo-se radiograda ia cedendo de modo que ele fosse descobrindo o desenho das mamas redondas quase escondidas na camisa de cetim.

Depois o tanoeiro, especialista em coisas redondas, ia ficando levemente para trás, e aterrava os olhos no rabo da Tininha que mais lhe parecia uma pista de aeroporto – Na sua história de vida, ele tinha ido uma vez a Pedras Rubras e adorou o movimento do avião quando descolou da pista.

Apesar de estar na multidão da festa de Santo António, o tio Joaquim olhou para o céu, pediu autorização à Glorinha, lembrou-se de Deus e a ele pediu: ajudai-me senhor nesta aventura da vida e que seja tudo para a tua Glória.

A curiosidade da Tina – brevemente Tininha – era mais difícil de atinar, mas ela tinha paciência e entendia da coisa pelo que a calma era a melhor conselheira depois de saber que de facto o tio Joaquim era home considerado na terra, tinha sido presidente da Junta.  Por causa disso apercebeu-se que era um político respeitado, vantagem inesperada que lhe abria horizontes nem sequer imaginados. Deus é Grande e Nossa Senhora atende-nos!

Tudo isto para dizer que o Santo António de Vila Verde ficou no coração dos dois, dotados de vontade mútua de novo encontro e sei lá, mais  aquilo que Deus quizer. E ficou combinado que pelo São João de Braga – uma dias depois – se encontrariam na cidade dos arcebispos, para fazer o balanço da coisa enquanto comeriam um bacalhau.

O alho porro do São João

O bacalhau estava bom, o vinho uma maravilha, além disso uma graça de Deus dado que fruto do trabalho do homem e da videira, também ela filha da natureza para nos refrescar a até animar e levar a crer na beleza do mundo, perfeito.

As horas corriam, o passeio também e o tio Joaquim reparava com elevado entusiasmo nos olhares da multidão para o seu pedaço de homem encima dos seus 70. Podia fazer peito, ele que se acompanhava da Tina e era reconhecido por vizinhos como “olha o nosso presidente da junta” – coisa que tendo sido, ainda estava na lembrança de todos, dada a vitória que garantiu, naquele tempo, aos apaniguados socialistas bracarenses e vilaverdense quando lhes ensinou a “ganhar eleições”.

Com o alho porro iniciou os prolegómenos das carícias na Tina que depois das 23 horas já aceitava ser Tininha embora dissesse: “chega isso para lá, que coisa, até cheira mal”. Mas gostava e o tio sabia disso.

O coração dos dois já batia pelo que aceitaram com elevação assistir ao fogo pela meia noite naquilo que apontava para um epopeia cadenciada que haveria de chegar.

Terminado o fogo a Tininha lembrou-se que já não havia camioneta prá Póvoa:

  • “Rais me parta, agora não tenho camioneta…

Mas Deus é grande e Vila Verde fica perto e assim, uma hora depois, chegaram a casa do Joaquim. Do céu recebeu o nosso tio a benção da Glorinha que dizia na sua cabeça:

  • Entra home, vive a vida, vive com abundância.

Libertados com o abraço e autorização da Glorinha, deu-se início à noite mais retumbante do concelho, qual fogo de São João qual quê, eram abraços e beijos e uma vontade de pôr o tractor a trabalhar que, com os devidos cuidados, exerceu a sua função para gáudio da Tininha que explicou à Albertina: “afinal temos home”.

E não era para desconfiar, pois por três vezes pediu à Tininha para virar a váscula e o tractor arrancou sempre!

Visitados os campos no dia seguinte e depois da certificação do tractor, Tina verificou que tinha pasto para desenhar os dias futuros e por isso se sentava com o tio Joaquim onde mais ele gostava e que era à sombra, debaixo do limoeiro.

O nosso tio sempre se lembrava das palavras do padre Chico e que dizia ser o limoeiro “um símbolo duradouro de limpeza e frescura. Além disso sinal de  adoração”.

Segundo o amigo Chico, “viver com limões é como viajar, limpar e restaurar a nossa mente, o corpo e alma. É como dançar com o mundo, apaixonar-se por todos os destinos e romantizar sobre a vida no exterior”.

Como se verifica, o senhor Abade sabe falar com as pessoas, traduz Deus em migalhas de maneira que possamos descobrir o que ele quer de nós, na vida que nos deu. E por essa razão o tio Joaquim sentia-se um “homem novo”, confiante e bem disposto.

A Albertina, no formato de Tininha

As aspirações da Albertina

A senhora Albertina prometeu e cumpriu: sempre presente, acompanhou o Joaquim no que era preciso, sempre ao seu lado onde era necessário ir e assim percebeu que além de tractor este “home” tinha porque merecia, de quem se cruzava com eles, um aceno, um sorriso até amizade de muitos.

  • Oh home, toda a gente fala contigo, todos te conhecem e sabem o teu nome…
  • Oh, sou o tanoeiro, aqui só há um….
  • Mas tratam-te bem, parece que até gostam de ti
  • Sabes, fui presidente da Junta e as coisas correram bem…

Outra novidade para Albertina, era que todos os dias vizinhos havia que o visitavam ora para perguntar qualquer coisa ora para saber se conhecia fulano de tal….e muitas coisas mais. E que pela quinta-feira, ia ao Centro de Dia para falar com um tal padre Francisco. Descobrira em Joaquim um home maravilhoso, até gostava de flores, limpo e organizado, respeitador, embora atrevido – o que só sabia bem …

Mas o que agradava à Tina era o respeito que tinham por ele, coisa que ela perdera por terras da Póvoa e por isso era novidade para ela. Liberta da vizinhança de outrora era agora a mulher do tanoeiro embora ainda não houvesse papel que atestasse isso, mas também já não era muito importante que nesta idade da internet tudo se pode e sabe. E o Joaquim ainda não falara disso e ela lembrava-se que nos seus augúrios sempre que disso se falou a coisa virou pró torto, portanto esperar não fazia mal.

Os dias passaram, as alegrias foram muitas apesar de inesperados amuos (não tinham explicação) da Albertina que nas conversas no limoeiro frequentemente mudava de tom. E o nosso Quim começou a remoer em silêncio, de boca fechada, para não falar, lá se decidiu ir ter, numa quinta-feira, com o senhor Abade:

  • Oh tio Joaquim, sem falar consigo nos últimos 90 dias, está com saúde?
  • De ferro, graças a Deus
  • Soube que Deus lhe deu companhia, que bom, hein!
  • Mais ou menos…
  • Oh tio Joaquim, mas está com tão bom aspecto, fico muito contente por o ver assim
  • Eu também faço estima que o senhor Abade esteja bem, mas vim falar consigo
  • Aqui no Centro ou no Confessionário?
  • O Confessionário pode esperar. Quero falar de “home pra home”, está-me a perceber?
  • Oh tio Joaquim, você já sabe, os amigos são pra isso mesmo, então o que conta?
  • Estou muito agradecido a Deus, ter lido o Jornal de Notícias e encontrado a minha Tina
  • Chama-se Tina?
  • Eu já explico. A senhora que está comigo chama-se Albertina. É o que está no registo. E é assim que quer chamada quando está pelos azeites. Chama-se Tina quando está num dia normal. E chama-se Tininha (e eu sou o Quinzão) quando quer virar a báscula!
  • A báscula?
  • Oh senhor Abade, essa parte tem a ver com a “vida em abundância”, não sei se me está a perceber’
  • Ainda não…
  • Oh senhor Abade, um dia falamos da companhia, de ter mulher de aliviar a cabeça, já está a chegar lá?
  • Ah percebi, desculpe mas nessas coisas tenho dificuldade em ver à primeira.
  • Ora bem; eu não tenho queixa dela que graças a Deus – quando bem disposta – me leva às estrela e há festa no céu. Mas há dias, estava eu debaixo do limoeiro, que o senhor conhece, e chamei:
  • Oh Tina vem aqui….
  • Albertina, faz favor…
  • Oh Tininha temos de falar
  • Já falámos, já sabes que o quero se queres a Tininha de volta.
  • O senhor Abade está a ver os viras que a vida dá?
  • Mas que vira?
  • Atão, é Albertina, depois vira para Tina e para Tininha já não dá, ao que parece.
  • Oh tio Joaquim, a falar nos entendemos. Puxe pela moca e veja se se lembra da conversa antes dela lhe dizer essa “se queres a Tininha de volta, já sabes o que quero”
  • Oh senhor Abade, isto fica entre nós. Nem quero que Deus saiba. Há dias no limoeiro ela começou meiga, era a Tininha, e veio com uma conversa que até me asssutou.
  • Mas o que disse?
  • Que eu era um homem maravilhoso
  • Está a ver, então onde está o problema?
  • Espere, espere porque de seguida chegou fogo à estopa…
  • Como?
  • ….sou um homem maravilhoso, trabalhador, educado, as pessoas da terra gostam de mim, cumprimentam-me, pedem-me conselhos e por aí fora
  • Ainda não vi mal nenhum!
  • Espere….que aí vem bomba!
  • Então!?
  • E assim, ela entende e portanto quer, que eu me candidate à Câmara Municipal nas próximas eleições porque não dispensa de ser a Primeira-Dama do concelho!!!
  • Oh tio Joaquim, meu querido amigo, que grande ideia; então o senhor acha que isso é mau?
  • Oh padre Chico, veja a minha idade, haja juízo!
  • Então os americanos, que são os senhores do mundo, não escolheram um presidente muito mais velho que o senhor? E olhe que nem pipas sabe fazer….
  • Nisso peço meças aos americanos, aos russos, a quem vier.
  • E também foi o nosso melhor presidente de Junta de todos os tempos, toda a gente sabe isso!
  • Oh senhor abade, é certo que ganhei as eleições, mas depois perdi a minha Glória, recebi a graça de Deus de encontrar a Tina, tudo preparado para uma vida feliz e calma: à sombra do limoeiro, às quintas aqui consigo, noutras tardes no café com amigos e agora vem a novidade de me meter outra vez na política e ainda por cima ser candidato à Cãmara Municipal só porque a Albertina para ser Tininha quer ser a Primeira-Dama?
  • Oh tio Joaquim, repare, o povo – e já agora a paróquia – tem muito respeito por si, e se o senhor for candidato limpa isto que é bem preciso.
  • Estou a ver que concorda com a Albertina
  • Tininha com a graça de Deus. O senhor é capaz de dar ao povo a alegria da vitória, mandar embora estes mafarricos do poder..
  • Oh senhor Abade, mas eu preciso é de descanso e o senhor em vez de põr água benta no assunto põe-lhe incenso para arder mais…

  • Incenso? Disse incenso?
  • Disse, carago, há algum mal nisso?
  • Não, antes pelo contrário
  • Atão explique lá…
  • Oh tio Joaquim porque acha que a Tina quer que seja candidato?
  • Oh senhor Abade, está cansado? Eu é que sou velho? Atão não comecei a conversa por lhe dizer isso?
  • Mas ela volta a ser Tininha se o senhor for candidato como disse.
  • Pois disse. Já percebi.
  • Percebeu o quê?
  • Percebi quando falou do incenso.
  • Oh Virgem Maria, Mãe do céu, que raio de conversa, agora fala o senhor de incenso e eu já não percebo nada.
  • Repare nisto: quando queimamos o incenso, lembra-se do cheiro que provoca e que enche o céu?
  • Sim na Páscoa, quando o senhor mete incenso no altar fica um cheiro do caraças, até parece que somos os maiores, de facto cheira bem e até gosto.
  • Já percebi o que é preciso para a senhora Albertina além de ser Tina passe a ser Tininha todos os dias…
  • Queres ver que vem aí milagre, meu Deus!
  • Eu explico: o que a sua Albertina, ou Tina, quer é perfume!
  • Perfume?
  • Mas que raio de perfume, isso já há em casa…
  • Não é desse.
  • Arre, então do que estamos a falar?
  • Falamos do perfume do poder, tio Joaquim, está a perceber? A sua Tina e futura Tininha quer o seu sucesso e debaixo dele beneficiar dele, percebe?
  • Atão tenho de me candidatar se quizer a minha Tininha, é isso?
  • Tio Joaquim, lembre-se que o perfume das mulheres é o sucesso do marido!
  • Atão tenho de me candidatar à Câmara Municipal, é isso?
  • Com a graça de Deus e o apoio deste seu digno servo!

A conversa acabou com um abraço, o entusiasmo do padre Chico e o remoer do tio Joaquim que olhou de novo para os seus botões até que a cabeça lhe mandou: vais ter que decidir sozinho e perceber onde está o trunfo – no calor da Tininha ou na escolha do baralho. Mas, com o destino traçado e antes de chegar a casa, preparou a fala para a Albertina ouvir – e seja o que Deus quizer: Tina, meu amor, serei candidato às próximas eleições autárquicas.

 

Por Arnaldo Meireles

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VER TAMBÉM: Como o tio Joaquim venceu as suas primeiras eleições:

https://radiofreamunde.pt/eleicoes-2025/as-eleicoes-do-tio-joaquim/