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João Taipa: como lembrar um dos nossos Maiores

Faz hoje 54 anos que João Taipa terminou a carreira de futebolista no nosso Freamunde – uma história brilhante da figura mais memorável do clube que aqui recordamos com texto de Joaquim Pinto.

Há uns anos a esta parte, João Taipa, em amenas e longas conversas à mesa, quase sempre a mesma, do “seu” Café Teles, reabriu a arca de memórias que os anos iam diluindo. Conversas complementadas com pesquisas e entrevistas a amigos, companheiros e adversários “da bola” e que deram origem a um pequeno esboço biográfico, que retrata a trajectória de uma das mais respeitadas personalidades da sociedade local.

No dia 30 de Julho de 1922, Joaquina Correia da Fonseca começou com as dores. O bebé, primeiro da união com Ernesto Gomes Taipa, ia nascer. Seria menino? Seria menina? Foi um rapazola, baptizado na Igreja matriz de Freamunde, pelo padre João da Cunha Lima, com o nome do padrinho, João, por sinal seu avô materno, João Correia da Fonseca.
Joaquina Correia da Fonseca
Ernesto Gomes Taipa
A infância, feliz, do Joãozinho passou sob o escudo protector e sufocante da mãe terna, dócil e ansiosa.
As primeiras letras aprendeu-as no ensino particular primário, junto da educadora Dª. Gertrudes “Bica”. Seguiu-se a passagem para as denominadas “Escolas das Meninas”, na Rua do Comércio, tendo como professores oficiais, Dª. Ana e José António Gaspar Pereira, entretanto falecido e substituído pelo colega Francisco Fernandes Valente. Curiosamente, numa época em que havia separação de sexos nas salas de aula.
O recreio tinha algo de especial. Foi aí que o jovem João “cresceu” para a prática do futebol. Nesse mítico largo, onde os alunos se recreavam, a bola feita de trapos já o seduzia. Aí, onde todas as ilusões de catraio ganhavam vida em forma de golo.
Formavam-se, então, duas equipas que, em renhidos despiques, lutavam ardorosamente pela vitória, sob o olhar atento do professor Valente.
Engraçado o facto de Joãozinho ser sempre escalado para a ingrata posição de guarda-redes. E porquê?… Como nesse tempo, fruto das dificuldades financeiras existentes na maioria dos lares, quase todos os alunos andavam descalços, o “árbitro”, Francisco Valente, posicionava-o na baliza, entre as pedras que faziam de postes, equilibrando, assim, a situação – só Joãozinho e outro colega usavam botas ou chancas. Alguns meninos, poucos, sempre ganhavam o primeiro par de sapatos, mormente pela comunhão solene, que apenas podiam usar para o dever dominical, a missinha.
Corria o ano de 1933 quando, em Freamunde, surge a prática oficial do futebol, graças, sobretudo, ao dinamismo do padre Castro, figura carismática e incontornável desta comunidade. Aproveitando os operários da “Fábrica Grande”, importante unidade fabril da qual era sócio maioritário, e com o auxílio de gratas figuras desta terra, entretanto elevada à categoria de Vila, dão-se a conhecer os “Onze Vermelhos”, equipa que, pouco depois, passou a ter a denominação de Freamunde Sport Club e as cores do equipamento alteradas para azul e branco.
As escapadelas de Joãozinho para o “Carvalhal”, palco dos sonhos, surgiram por volta de 1935. Joãozinho que almoçava num abrir e fechar de olhos para poder usufruir de mais um tempito e assim continuar a praticar o que mais gostava: futebol. Alegria dividida com tantos outros colegas.

O pai, Ernesto Taipa, raras vezes colocou, como se pode depreender, entraves à entrada precoce do rapaz no mundo do desporto até porque nunca teve necessidade de se preocupar com o seu aproveitamento escolar.

Campo do Carvalhal
A par dos seniores, formou-se pela primeira vez um grupinho de meninos, orientados por António Aloísio Correia. E foi na condição de guarda-redes que o “nosso” jovem disputou os jogos da “classe infantil” – Joãozinho ainda não tinha percebido que o seu lugar não era jogar com as mãos.

O embate inicial foi contra os vizinhos da União Desportiva de Paços de Ferreira, encontro realizado em Meixomil e que terminou com a vitória dos freamundenses por 4-2.

35/36 (Equipa classe Infantil) – Em Cima: JOÃO TAIPA (g.r.) – António “Pataco” – Fernando Rego – Rodrigo “Passarinha” – João Campos – Maximino “Frita” – Miguel – Belmiro “da Riqueta”
Em baixo: Manuel “Bica” – Amâncio Torres – Zé “Baião”.
Mas este projecto foi sol de pouca dura e os rapazinhos tiveram de fazer uma travessia no deserto até que completassem os 18 anos, idade permitida para o ingresso na classe sénior.

Sem competição e espaço para o pontapé na bola, o Largo da Feira passou a ser o palco predilecto desta garotada que ali se entretinha a jogar de manhã à noite sob o olhar de imensos entusiastas.

Em 1939, já em plena Grande Guerra Mundial, face à falta de ética de alguns elementos que tinham feito parte do plantel da temporada anterior, o Freamunde Sport Club, com a inesperada extinção da União Desportiva de Paços de Ferreira, clube rival e vizinho, aproveita a situação e “importa” de lá os seus melhores jogadores. A primeira “linha” do clube azul e branco passa a ser constituída por jovens com idades compreendidas entre os 18 e 20 anos. Só a João Taipa, então com 17 primaveras, foi permitida a inscrição, para poder ser apresentado oficialmente a um nível superior, após autorização da AFP e dos pais. Essencialmente do pai, Ernesto Gomes Taipa, uma grande referência em vários sectores desta terra, seguidor apaixonado e fiel do desporto-rei, porque a mãe preocupava-se com o bem estar do filho e temia que algo de mau lhe pudesse acontecer.

Nas horas livres, que eram muitas pois só se treinava uma vez por semana, Joãozinho ajudava os progenitores no comércio de mercearia e casa de pasto, onde o movimento, principalmente em dias de feira, era enorme.
Legalizado e já colocado na posição de “ponta esquerda”, logo chamou a atenção do treinador, António Aloísio Correia, que, sem hesitar, lhe dá a titularidade numa formação de grande furor e que alinhava assim: Hercílio Valente, Zinho Sistelo e Leonel; António Augusto, Zé Viana e Xico “da Fonte”; Maximino “da Couta”, Moreirinha, Alberto Matos, Adão Viana e João Taipa. Samuel, Ulisses Valente e António “Pataco” também deram o seu contributo em alguns jogos. É importante referir que nessas temporadas as substituições não eram ainda permitidas.

39/40 – Em Cima: Chico “da Fonte” – Zinho Sistelo – Miguel Barros – Hercílio Valente – Leonel – Zé Viana – Júlio Gomes (Dirigente) – Américo Taipa (Dirigente)
Em baixo: Maximino “da Couta” – Adão Viana – Alberto Matos – Alberto Augusto – JOÃO TAIPA

Duas épocas depois, mais propriamente em 1941/1942, o Freamunde Sport Club, com Lopes Carneiro, atleta do Futebol Clube do Porto, no comando técnico, sagra-se campeão distrital da III Divisão da A.F.P., o primeiro título oficial do seu historial conquistado de forma fulgurante.
Foi o delírio em Freamunde, Vila que se engalanou e cujas gentes receberam carinhosamente os seus “rapazes” à chegada do derradeiro jogo, em Gaia, contra o Unidos (ex-Cuf). Até Banda de música meteu, a de Freamunde, pois claro, que acompanhada de enorme multidão, adeptos fervorosos e indefectíveis de quase todas as freguesias do concelho (como isto mudou!), saudou efusivamente, com vários trechos das lindas partituras, os seus “heróis”.
Dos 21 golos apontados pela equipa, 9 pertenceram a… João Taipa.

João Taipa

Adivinhava-se a glória do menino querido do “Carvalhal”, já com rótulo de estrela. O seu destino como futebolista parecia traçado. E que destino!… Surpresa? Nem pensar! O bom jogador define-se cedo. A atitude, sempre suportada pela personalidade, o comportamento na vida particular, com regras e princípios, a forma como sabia gerir convenientemente os excessos, a maneira como procedia e reagia na inter-relação humana eram factores indicadores que sustentavam a sua futura realidade.
Passados que foram alguns meses, por influência de Júlio Pinto Ribeiro Gomes, freamundense dos sete costados mas radicado na “cidade invicta”, que exercia as funções de delegado ou representante do Freamunde Sport Club junto da A.F.P., um emissário do Futebol Clube do Porto contactou o pai de João Taipa (estava, pois, lançado o canto da sereia), chegando-se a um acordo de princípio. Com esta “gente” sempre bastou a palavra.
Não foi necessário mais do que um treino efectuado para que a directoria portista solicitasse a apresentação, o mais rapidamente possível, nos seus serviços de secretaria da carta de desobriga, obrigatória para posterior inscrição do atleta no clube azul e branco, mas às riscas. Os “papéis”, assinou-os João Taipa com caligrafia bem desenhada, que a tinha.
Dias depois já se “mostrava” com o emblema do dragão ao peito, sendo logo convocado para o jogo contra o Leixões, no campo do Lima, ganho pelos portistas por rotundos 7-1. João Taipa foi o autor de um dos golos.
Nessa época de 1942/1943, disputou praticamente todos os jogos calendarizados, alternando a equipa de reservas com a principal, esta a disputar a então denominada “Liga”. A citada alternância deveu-se ao facto de João Taipa ter ingressado no serviço militar, impedindo-o de treinar assiduamente, o que o prejudicou bastante em termos futebolísticos. Quando regressou, passou a ser um bom activo do principal onze portista. O seu ídolo era Artur de Sousa “Pinga”, um dos “monstros” sagrados do futebol português, imortalizado como um dos melhores jogadores da história do clube, sendo a maior honra o facto de ter sido seu colega de equipa. João Taipa actuava como extremo esquerdo e “Pinga” notabilizava-se nas funções de interior esquerdo, numa altura em que se praticava o WM (três defesas, dois médios e cinco avançados), sistema táctico idealizado como antídoto perfeito à lei do “offside”.

42/43 (Equipa do F.C. Porto)  Em Cima: Alfredo Pais – Chico – Pocas – António Nunes – Baptista – Valongo
Em baixo: Carlos Pratas – “Kikas” – Araújo – “Pinga” – JOÃO TAIPA

Admirou igualmente esse exemplar companheiro, jogador e cidadão que foi Araújo, mais tarde também técnico do Freamunde Sport Club. O primeiro “mister” de João Taipa no F.C.Porto chamava-se Siska, guarda redes de origem húngara, de classe invulgar, que empolgou Portugal de lés-a-lés, tendo ainda, na parte final da sua passagem pelos portistas, os ensinamentos de outro magiar, Josef Szabo.
O futebol para João Taipa não era exclusivamente profissional. Longe disso. O clube apenas lhe pagava as despesas que contraía, sobretudo com viagens e alimentação. Quinhentos escudos, era o máximo que recebia mensalmente. Mesmo assim ainda conseguia comprar umas roupitas e amealhar alguns tostões. Ocupava as horas livres para trabalhar, como escriturário, numa das empresas de Júlio Gomes.
Por questões de “feitio”, saudoso da sua querida terra, consegue, com o auxílio do primo, Domingos Taipa, a desvinculação do F.C. Porto e regressa, de novo (como o filho pródigo), ao clube do seu coração, o Freamunde Sport Club, já com os estatutos criados e aprovados. Por determinação superior a agremiação passaria, um ano após, a denominar-se “Sport Clube de Freamunde”.
Estava nessa altura, época 1944/1945, o Freamunde a disputar a “Promoção”, sendo o seu regresso, conjuntamente com o de Hercílio Valente, guarda redes oriundo do andebol portista, duas mais valias para o seu plantel.

44/45 – Em cima: Maximino “da Couta” – Maximino “Frita” – Alberto Matos – Belmiro “da Riqueta” – Zeca “Mirra” – Casimiro “Vaidoso”             Em baixo: Leonel – JOÃO TAIPA – Américo – Adão Viana – Joaquim Pinto “Maneta”
45/46 – Em Cima: Salvador “Pataco” – Zeca “Mirra” – Hercílio Valente – Belmiro “da Riqueta” – JOÃO TAIPA – José Maria “da Couta”                   Em Baixo: Leonel – António “Pataco” – Alberto Matos – Adão Viana – Joaquim Pinto “Maneta”.
46/47 – Em Cima: Zeca “Mirra” – Agostinho Machado “Barroco” – Casimiro “Russo” – Belmiro “da Riqueta” – Quim “Bica” – Hercílio Valente        Em Baixo: João “Cherina – José Maria “da Couta” – Adão Viana – JOÂO TAIPA – Amaro “da Cavada”

João Taipa era dotado de excepcional preparo físico, o que lhe permitia aguentar uma partida inteira ao mais alto nível, independentemente da idade, apenas encerrando a carreira aos 42 anos. Jogaria, então, com as cores azuis e brancas até 1966, perfazendo, portanto, 27 anos de actividade futebolística. Foi no dia 16 de Maio do referido ano, num Freamunde-Paredes, jogo a contar para a prova extra organizada pela A.F.P., ganho pelos anfitriões por 3-1, que se assistiu ao momento mais sublime, mais contagiante: o eterno e insaciável goleador pendurava as botas. Foi difícil, pois o “craque” parecia querer prolongar ao máximo uma carreira fantástica que inevitavelmente terminaria.

50/51 (“Os Argentinos”)
Em cima: Peixoto – Alberto “Mirra” – Casimiro “Russo” – Zeca “Mirra” – Zé Viana – Manuel Pinto
Em baixo: Adão Viana – João “Cherina” – Quim “Bica” – JÃO TAIPA – José Maria “da Couta”
58/59 – Em Cima: António Lopes – Alberto “Mirra” – Barbosa – Zé Manel – Luís “Mirra” – António Rego – Quintela
Em baixo: Arnaldo – Ivo – Humberto – JOÃO TAIPA – José Maria “do Talho”
63/64 – Em cima: Quintela – Zulmiro – Zé Manel – Luìs “Mirra” – Ribeiro – Barbosa
Em baixo: Vitorino – Ivo – JOÃO TAIPA – Humberto e Júlio

João Taipa foi um jogador inteligente que transpirava técnica, esforço e coragem. Um líder inspirador e um exemplo perfeito para quem o rodeava. Um jogador completo, que esbanjou arte pelos “pelados” e que contribuiu para o fulgor do espectáculo, que se tornou a referência da célebre equipa dos “Argentinos”, assim alcunhada por fazer lembrar a famosa formação do São Lorenzo de Almagro que deslumbrou, com o seu virtuosismo, todos os portugueses numa digressão que por cá efectivou. A euforia era tal que os êxitos da rapaziada foram transportados para o palco. Da revista de costumes em dois actos “Freamunde é coisa boa” – original e música de Fernando Santos (1ª representação, na ASMF, em 25 de Dezembro de 1951 -, surgiu o hino, de sucesso assinalável, que jamais se apagará da memória dos freamundenses, várias vezes recordado e cantado em jornadas de evocação e saudade.

Também treinador, sempre que chamado para ocupar o “lugar” deixado vago por alguns timoneiros que pelo S.C. Freamunde passaram.

Joãozinho, a certa altura, fez questão de frisar o seguinte: «Ainda recordo um jogo que fizemos em Amarante. Tive necessidade de proceder a uma alteração na equipa e lancei mão de um jovem acabadinho de sair dos juniores, a despontar, que assim se estreou no “team” principal: António Couto, um menino irreverente mas virtuoso. Dos mais habilidosos avançados que conheci, a par, sem desconsiderar todos os outros, de Humberto, Ernesto, por sinal meus parentes, e Rui “da Praça”. Couto era malandreco, mas, não sei porquê, sempre gostei dele e dele recebi respeito e amizade». Soltou-se-lhe uma lágrima no canto do olho.

Humberto – JOÃO TAIPA – Ernesto
JOÃO TAIPA e António Couto

João Taipa foi também um dos principais responsáveis por muitos pacenses, de quase todas as freguesias do concelho, torcerem pelo Freamunde; por alimentar a rivalidade com o Vasco da Gama, hoje Futebol Clube de Paços de Ferreira. Com ele em campo o Freamunde sempre venceu o vizinho. Nem um empate cedeu, sequer. Quanto a golos nas redes contrárias, nem se fala!

52/53 – Fase do Jogo Particular, Freamunde/Vasco da Gama (4-0), no campo do “Carvalhal”
57/58 – Fase do jogo Vasco da Gama – Freamunde (0-3), na “Cavada”.
Joãozinho deixou, ainda, a mística do seu nome e da sua ação, sobretudo no pelado do “Carvalhal”, onde viveu, e fez viver, muitas tardes de glória, ligadas a outro factor: os célebres “penaltys” à Taipa – guarda-redes para um lado, bola para outro. Era, nessas décadas, o ídolo da catraiada. Nas escolas, nas ruas, todos os miúdos queriam ser… João Taipa.

Os treinadores que mais o marcaram durante as épocas em que praticou futebol foram o professor Gil Aires e Joaquim Tavares Guiomar “Rola”. Dos colegas, dirigentes e adeptos, sem exceção (sem eles, sem a sua ajuda, conselhos e amizade, com quem partilhou horas inolvidáveis, não seria quem foi, no desporto e na vida), sempre sentiu um enorme carinho e respeito, orgulhando-se das façanhas conseguidas, mas, sobretudo, do prazer que lhe deu conviver com todos os agentes desportivos ao longo da sua extensa e brilhante carreira.

Gil Aires e João Taipa

A OUTRA “VIDA” DE JOÃO TAIPA
João Taipa casou já um pouco tarde, com 37 anos de idade, no dia 15 de Novembro de 1959. Escolheu para sua mulher, com laços parentescos, Neusa Gomes Taipa. Não foi, portanto, um namoro inocente. Um elo forte se fizera, então, entre estas almas. Do enlace resultou o nascimento de três filhas, três Marias: Maria de Fátima, Maria da Graça e Maria Ilda.
Sempre pelo “Café” do cunhado, António Teles de Menezes Júnior, e auxiliar precioso do pai, negociante da casa de pasto que mantinha aberta na parte traseira do prédio (que saudades dos melões do António “Caçoila”, as jogatanas de sueca ou da bola de pau, as célebres rojoadas e papas de sarrabulho pela Santa Luzia – tradição que ainda hoje se mantém -, os bolinhos e iscas de bacalhau, a afamada “pinga” de tintol do “Pinheiral”!…), Joãozinho tardava em dar outro rumo à sua vida. Depois lá se decidiu e aceitou o convite que lhe foi formulado para sócio-gerente da “Ibermetais”, acumulando as funções de escriturário. Por pouco tempo. Uma quinzena de anos, talvez. De comum acordo, cede a quota que possuía na firma à sobrinha, Gininha, e obtém concessão para a exploração do Café Teles, que passou a gerir como único titular. Foi o princípio de quase tudo, confortavelmente amparado por este comércio hoteleiro e que seria o principal meio de subsistência durante o resto da sua vida, sempre estabilizada e sem sobressaltos. Gestão galgada pela dedicação, seriedade e amabilidade.
O seu estabelecimento era o principal ponto de encontro de várias gerações que não prescindiam de um aromático café, primeiro de saco e depois “Cimbalino”, de um fininho à maneira… Nas tertúlias, pacíficas e cordiais, lá se punha a conversa em dia. Era imperativo, primeiro que a leitura dos diários. Os “desportistas”, esses, que os havia e bons, optavam por uma partidinha de bilhar livre ou de matraquilhos. Ah, João Taipa também era exímio a pegar no taco.
A idade da reforma chegou e João Taipa cedeu o espaço à exploração, situação que ainda hoje se mantém.

À esquerda, a antiga mercearia e casa de pasto, hoje Café Teles

JOÃO TAIPA ALVO DE VÁRIAS HOMENAGENS

Por iniciativa da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL:
Durante as cerimónias de abertura das comemorações do 50º aniversário (Maio de 1964) daquele Organismo, a que presidiu o Chefe de Estado, Almirante Américo Tomás, João Taipa foi o atleta, a nível nacional, como exemplo de disciplina, escolhido e utilizado para porta-estandarte da FPF, a qual recebeu a medalha de Mérito Desportivo. Foi um momento de rara emoção ao iniciar-se o Congresso Nacional de Futebol.

João Taipa e Almirante Américo Tomás

Noutro passo, na brilhante dissertação sobre o tema “VIDA E FUTEBOL”, o Comodoro Eduardo Scarlatti Quadrio Raposo, personalidade de espírito irrequieto e multifacetado, engenheiro, crítico de teatro, jornalista, ensaísta, dramaturgo, poeta…, apontou e enalteceu as virtudes que representam a “disciplina” e a “educação”:
«……..E nós temos exemplo valioso desse resultado obtido pela cultura física no modesto operário, praticante em desporto desde 1938, há cerca de vinte e seis anos, dois no F.C. Porto e os restantes em agremiação – Sport Clube – de uma terra – Freamunde – quasi desconhecida de muita gente. Ele nunca deu motivo à mais ligeira punição, por falta de respeito pelos adversários,  ou pelas regras de um são desportivismo. É o porta-estandarte nesta comemoração, Senhor João Correia Gomes Taipa, e que muito grato me é trazer a uma citação de relevo nesta hora festiva para o desporto nacional».
A enorme assistência presente coroou aquelas palavras com prolongada salva de palmas, que deixou João Taipa visivelmente emocionado.

…DA AUTARQUIA

A Câmara Municipal de Paços de Ferreira tomou a liberdade de testemunhar publicamente todo o apreço por comportamento tão exemplar, deliberando transcrever em pergaminho esta decisão, com o fim de ser entregue ao atleta em referência, em sessão de homenagem a efectuar no dia 28 de Maio de 1964.

…DE FREAMUNDE

Freamunde prestou no dia 18 de Maio de 1964 a maior recepção a um dos seus filhos, JOÃO TAIPA, acabadinho de chegar da capital portuguesa onde prestigiou o clube e a terra que o viu nascer, pela missão que lhe foi confiada na abertura das comemorações do cinquentenário da FPF.
O cortejo organizou-se à entrada da Vila e nele se incorporaram todos os atletas do Sport Clube de Freamunde, dois ranchos folclóricos, a Banda de música local e muito, muito povo.
Presentes, ainda, representações de Agremiações Desportivas, com os seus estandartes – F.C. Paços de Ferreira e Ermesinde F.C.

Na sessão solene que se seguiu – a mesa de honra foi colocada na esplanada do bar dos Bombeiros, coladinha ao “Coreto” -, vários oradores explicaram a justeza da manifestação e enalteceram as virtudes do homenageado como cidadão e como desportista. João Taipa, colocado no estrado da mesma, empunhava garbosamente a bandeira azul e branca do seu clube.

Foi ainda tornado público, pelo Professor Albano Morais, representante da Associação de Futebol do Porto e Delegado Geral dos Desportos, que lhe iria ser concedida a medalha de ouro por “Mérito Desportivo” da FPF, deliberação criada em 1951 pelo Governo Português para galardoar os serviços em prol do desporto nacional, bem como um livre trânsito perpétuo.

…DOS FREAMUNDENSES…DA AFP…DA COMISSÃO DISTRITAL DE ÁRBITROS…DOS CLUBES

Um grupo de indefectíveis freamundenses organizou, no dia 1 de Janeiro de 1970, uma festa de Homenagem a João Taipa, um verdadeiro “gentleman” do desporto e do “fair play”, talvez inspirado no ídolo inglês, “Sir Stanley Mattews”.

Comissão Organizadora da Festa, com o Homenageado: Em cima: Valentim Moura, Hermínio Pinto, Renato Moura, João Taipa, Fernando Leal,                           Em baixo: Prof. Alfredo Barros, Nelson Lopes e Luís Alberto Teles Menezes

Num “Carvalhal” repleto de público, a componente desportiva constou de dois encontros de futebol: S.C. Freamunde – 1 / F.C. Penafiel – 4, e F.C. Porto – 2 / Vitória de Guimarães – 0.

Antes do início deste último jogo, com todos os jogadores alinhados no centro do terreno, Nuno Brás, conceituado jornalista nacional, fez, de forma eloquente, o elogio público do homenageado.
Como o prometido é devido, o Dr. Luís Guedes, em nome da Associação de Futebol do Porto e da Federação Portuguesa de Futebol, depôs nas mãos de João Taipa as três medalhas já referidas, representativas, não só pela extensa actividade e completa ausência de qualquer penalidade, exemplo pouco vulgar no desporto nacional, mas essencialmente da sua melhor formação moral, talvez moldada ou aperfeiçoada no exercício da própria modalidade.

O Dr. Luís Guedes condecora João Taipa

A Comissão Distrital de Árbitros fez-se representar pela fina flor do conselho: os internacionais Francisco Guerra e Clemente Henriques (que bonito exemplo! Nos tempos actuais estas atitudes já não existem)

João Taipa ladeia os árbitros internacionais, Francisco Guerra e Clemente Henriques. Reconhecem-se, ainda, Valentim Moura, Júlio Sousa, Fernando Leal e António Carneiro.

Uma deputação do Ermesinde F.C., constituída por estandarte e três ex-jogadores, ao tempo adversários de João Taipa (Louceiro, Álvaro Veiga e José Moreira), também marcou presença. O futebol ainda era, aqui e ali, uma escola de virtudes. Agora…!
O homenageado agradeceu, comovido, todas as manifestações de carinho, dando então a volta de honra acompanhado por todos os atletas. João Taipa, durante a sua longa carreira, disputou mais de 800 jogos e rubricou uma imensidade de golos.
Do livro editado, em 2008, por Joaquim Pinto, “Sport Clube de Freamunde – Vida e Glória”, pode ler-se: «…Dono de uma personalidade fascinante, João Taipa despediu-se em glória. Mais do que um jogador, foi um desportista que não aboliu dimensões fundamentais da existência humana.
Nado e criado neste torrão, o nobre e ilustre cidadão João Taipa é o orgulho de todos os que sempre o estimaram. Paradigma da personalidade que a sociedade atual, tão corrompida, carece, honra-nos a todos nós.
A João Taipa o futebol nunca deu. O futebol recebeu. Tentar imitá-lo; aproveitá-lo, ainda…Sempre».

O ETERNO ADEUS

A notícia da morte de Joãozinho causou, em Freamunde, profunda consternação. Contava 91 anos de idade.
Nas cerimónias religiosas, a oração fúnebre foi proferida, com eloquência e emoção, pelo familiar, D. António Maria Bessa Taipa, Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, filho querido desta terra.
Os jornais regionais não tardaram a divulgar a notícia do triste desenlace.
Da “Gazeta”, pela pena de um dos seus colaboradores em Freamunde, Joaquim Pinto: «… Freamunde está de luto. Morreu João Taipa. Agora resta entregar aos mais novos o testemunho da nossa admiração pelo homem, pela figura inconfundível de cidadão e desportista. Pelo “menino” querido do “Carvalhal”, pelo jogador invulgar que empolgava as multidões e criava simpatia nos que o rodeavam, deixando indeléveis recordações, inclusive, nos adversários, árbitros e em todos os adeptos do futebol.
O Joãozinho simboliza, simbolizará sempre, o “velho” Freamunde erguido por gente bairrista e dinâmica, por homens de têmpera que sabiam quanto custava a vida e quanto esforço era preciso para enfrentar e vencer, glorificando a camisola, azul, da mesma cor do fato de ganga».
Foi tributado várias vezes. No dia 7 de Abril de 2001, numa iniciativa do jornal “Tribuna Pacense” – “Prémios Tribuna/13ª edição”, no ato oficial de atribuição dos galardões, foi laureado como futebolista exemplar.
Em 2003, foi relembrado, com exposição documental na Associação dos Socorros Mútuos Freamundense, e sessão solene no Auditório Fernando Santos, Casa da Cultura de Freamunde, tudo englobado nas “Jornadas de Reflexão e Saudade”, da responsabilidade da “Associação Recreativa e Cultural Pedaços de Nós”.
Já em 2001, deixara-se “retratar” na obra do poeta popular, António “Rodela”, “Pedaços de Nós“, com ilustração de Vitorino Ribeiro. O soneto acabou musicado com sucesso, e o espectáculo proporcionado, em palco montado no Centro Cívico, ficará para sempre na memória de quem o presenciou.

A própria estação televisiva, Sport TV, fez deslocar a Freamunde uma equipa de reportagem para captação de imagens e entrevista ao ilustre desportista. O “trabalho” foi para o ar, dias depois, num domingo, inserido na programação da noite.

Ventilou-se, então, a hipótese, com pernas para andar, de perpetuar o seu nome em placa toponímica a colocar e descerrar, em data oportuna, na rotunda do Estádio do S.C. Freamunde. A proposta, entretanto, chegou, para discussão, à Assembleia de Freguesia, sendo aprovada por unanimidade.
Certa a atribuição, com o nome de João Taipa, do Prémio “Fair play”, a nível concelhio, confirmado em recente sessão da Assembleia Municipal, por moção do Dr. José Neto.
João Taipa só tinha amigos. Homem de hábitos simples, não dispensava, mesmo na reforma, visita diária ao “seu” Café Teles, cavaqueira com o parceiro de mesa, Alfredo Matos “Cherina”, a caminho dos …101, a leitura assídua dos jornais diários (devorava os desportivos), dum livro de qualidade, sobretudo de Eça de Queirós, futebol na televisão, um bom filme, casa e família, onde procurava a tranquilidade e suspirava por qualquer tipo de prato de bacalhau.

Alfredo “Cherina” e João Taipa no Café Teles

Freamunde vai ter dificuldade em fabricar personalidade igual.
João Taipa sobreviverá ao tempo que caminha e destrói a memória dos homens.
João Taipa partiu para todo o sempre. Ou talvez não. Os génios do bem nunca morrem.
Resta-nos agradecer. OBRIGADO, Joãozinho.

Por Joaquim Pinto, in Blogg Freamunde Factos e Figuras