A regeneração dos espaços urbanos que vão, naturalmente e necessariamente, acontecendo ao longo dos tempos, comporta uma dimensão objetiva e uma outra, não menos importante, subjetiva.
A objetiva diz respeito às condições materiais e espaciais da requalificação e organização desses contextos com vista aos poderes públicos poderem corresponder e responder às novas exigências da vida moderna, à evolução demográfica bem como à adaptação das emergentes necessidades de mobilidade e de usufruto do espaço por parte de quem o habita.
A subjetiva, diz respeito à “mundanal afeição” presente nas dinâmicas quotidianas da população, às emoções e sensações que a organização do espaço fará suscitar nas pessoas que irá servir, e a forma como esta o vão resgatar e dele fazer uso, adaptando-o a si mesmo, independentemente das condições físicas que aquele oferece.
Esta dimensão subjetiva, diz ainda respeito a um outro aspeto. Isto é, à memória coletiva, à narrativa que um povo cria acerca do seu passado e da sua identidade. Quanto maior e mais solidificada essa identidade coletiva, mais importância terão estes aspetos, na medida em que a população tende a ver nas mudanças, mesmo que estas sejam executadas no sentido positivo, uma traição a uma memória idealizada e narrativamente construída, por vezes, com muito pouca relação com a realidade concreta. Assim, como todas as mudanças, mesmo que muito necessárias, as obras de regeneração urbana provocam, sempre, alguma dor.
Não há, de facto, parto sem dor. Esta dor inscreve-se, no âmbito da pulsão natural, de cada um, para um regresso ao passado, à infância, ou mesmo a um tempo que, em todos nós, emerge como idílico e a ordem natural das coisas. Esse é o tempo em que cada um se pensa realmente feliz.
Ora, esta é uma mera narrativa, um mito coletivo que vai edificando uma determinada memória, mas que, normalmente, não tem total correspondência com a realidade, porquanto todos os tempos têm aspetos positivos, negativos e os tempos e o mundo não se fazem a preto e branco. Desta feita, o mesmo acontece com o espaço organizado e as suas estruturas, o qual tem aspetos melhores e piores, consoante a época em que foram edificados e que serviram as pessoas, podendo, aqueles, deixar de fazer sentido no presente.
Será possível atender aos dois mundos? De um lado a necessidade de cumprir o progresso, a modernização e a recusa do imobilismo serôdio. Do outro, a necessidade de preservar a memória, de se assegurar o ente coletivo passado, de se afirmar o “Peter Pan” que cada um de nós transporta.
Sim! Em parte, sim, é possível!
Basta, para isso, transportar alguns elementos materiais da antiga estrutura, edificando-os no novo espaço que foi alvo de regeneração, mas, renunciando-se ao “pastiche”, como diria o meu amigo e arquiteto Nuno Leão. Assim, trata-se de colocar alguns desses novos/velhos elementos simbólicos e de carga afetiva, no novo espaço, os quais permitem a homenagem, a referência e a glorificação de um passado, afirmando-se, desta forma, a identidade coletiva de um povo, de uma terra, sem se prescindir da reabilitação do contexto a necessitar de ser intervencionado.
Marcos Taipa Ribeiro
NB: Artigo publicado simultaneamente na Gazeta de Paços de Ferreira e na Rádio de Freamunde