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1836 – um concelho liberal interessado no futuro

O nosso concelho como hoje o conhecemos foi criado há 185 anos celebrando portanto no dia 6 de novembro o seu aniversário. Hoje com 55.623 (último census) habitantes vivemos numa sociedade aberta, num regime democrático e percebemos as consequências sociais de uma economia assente na iniciativa dos seus cidadãos.

A tenacidade das nossas gentes vem de longe, nomeadamente da nossa primeira cidade datada de cem anos antes de Cristo, a Citânia que ocupa espaço existente nas freguesias de Sanfins e Eiriz.

Guerreiros de profissão, os cerca de 3000 habitantes que ali viveram talhavam o ferro, trabalharam as “terras do (rio) Ferreira” e dominavam a circunstância política que abrangia a sua influência a terras de Santo Tirso, da Maia, Valongo, Paredes, e Penafiel . Rivalizavam com os habitantes de Briteiros, em Guimarães, eles numa cidade mais pequena em área mas com mais habitantes.

Talhada no seu desenvolvimento social e cultural a nossa terra sofreu inúmeras alterações administrativas no domínio político – pertencemos a vários concelhos e honras – e no domínio religioso, com freguesias integradas quer na diocese do Porto quer na de Braga.

A criação deu-se em 1836, numa altura de tensão política entre ao aristocratas grandes agricultores – principais pagadores de dízimo – ao Mosteiro de Ferreira e às inúmeras confrarias que aqui se constituíram, e os liberais sobretudo residentes na hoje chamada parte norte do concelho, onde se destacava Freamunde como pólo de desenvolvimento económico.

Na definição administrativa da actual composição, ficaram de fora as freguesias de Figueiras e Covas (integradas em Lousada)  e entrou Penamaior vindo do entretanto extinto concelho de Negrelos.

Considerado o território actual com análise feita no momento da criação do concelho, seria normal que a sede administrativa tivesse ficado em Freamunde ou em Meixomil, sobretudo no lugar de Sobrão. A vida económica nestas duas freguesias era de tal modo pujante que ali acorriam as gentes para satisfazer as suas necessidades.

Freamunde, sobretudo desenvolvida pela Confraria de Santo António, e pela iniciativa dos seus particulares que ali promoviam feiras de diversa natureza, tinha a liderança económica das chamadas “terras do Ferreira” e daí o aparecimento da Fábrica Grande (de Albino de Matos) a primeira empresa da região a atingir dimensão nacional e internacional com a prestação de serviços ao ministério da Educação para as ex-colónias, do chamado Ultramar, colocando aí grande parte da sua produção.

Na rotunda de Sobrão, freguesia de Meixomil, na estrada nacional 209. Primeiro posto de recolha de correspondência, na casa de Luís Costa e Fernanda Leitão.

Sobrão, em Meixomil, na mesma época, era o lugar central de quem por aqui passava com destino ao Porto e ali aproveitava para comer e dormir, numa estalagem existente na altura, “recauchutava” os cavalos na casa do ferrador, mas também era (foi o primeiro) centro de distribuição do correio. Ali se deslocavam os nossos conterrâneos para “levantar a carta” – pois era assim que funcionava e se dizia. Veja o inquérito:

Reproduzindo: José Pinto de Barros, pároco de Santa Eulália de Paços responde a inquérito do bispo do Porto em 1856:

É vila, lugar ou aldeia? – É aldeia

Quantas léguas dista da cabeça do concelho? – É aqui mesmo

Da capital da Diocese? – Quatro léguas e meia

Tem correio? – Não tem. As cartas procuram-se no lugar de Sobrão, na freguesia de Meixomil

Foi Couto, honra ou behetria? – Couto

As produções mais valiosas da propriedade agrícola? – Milho, centeio e feijão

Passa pela freguesia algum rio? -Passa um pequeno rio

Que pescado cria? – Truta, escalo e enguia

Tem ponte? – Tem uma no lugar denominado Ponte Nova

Quais as moléstias predominantes? – É saudável

Tem hospital? – Não

Tem médico, cirurgião ou farmacêutico? – Não

Estabelecimentos fabris?- Não há.

Tem feira ou mercado? – Não

Este inquérito data de 1856, vinte anos depois da criação do nosso concelho e permite perceber o enquadramento da decisão tomada, até porque também em Eiriz se vivia um forte desenvolvimento económico e cultural. Mas explica a opção política tomada pelos apoiantes da monarquia liberal entretanto vencedores sobre os “os espanhóis” de Freamunde.

Fonte de Santo Ovídio – “estação de serviço” para carruagens da época. Ao lado fica a casa que foi do “ferrador”

Estes monárquicos liberais traçaram assim a organização administrativa da nossa terra que hoje se mantém e não tem em si mesma questões por resolver, apesar de ter condicionado toda a economia do concelho, onde, estando cada um entregue a si próprio se deslocava à sede para “pagar a décima”.

A sociedade agrícola estruturada pelos monárquicos liberais (eles os senhores, nós, quando muito, os feitores) sofreu no entanto um abalo gigantesco em 1960 quando parte significativa da nossa população decidiu entrar a salto em países como a França e mais tarde Alemanha, Suiça e mais recentemente Luxemburgo. A sociedade moderna que hoje somos nasceu neste movimento social  e está na base da natural vocação dos nossos conterrâneos de enfrentarem novos mercados para onde exportam as suas mercadorias.

A dimensão religiosa

Independentemente das opções sociais e políticas, das divisões administrativas de natureza política e religiosa, sempre o nosso povo cultivou na sua intimidade e das suas famílias e organizações uma atitude de confiança e optimismo que, baseado no trabalho, aponta para o sucesso da melhoria das condições de vida. E sempre expressou as suas conquistas disso mesmo edificando exemplos públicos da sua gratidão e satisfação.

Sinal disso e mesmo depois do exemplo maior que é o Mosteiro de Ferreira, registos encontrados referem a existência na nossa terra, ao longo dos tempos, de 45 capelas, 20 ermidas e 4 oráculos; não se incluindo nesta contagem as igrejas paroquiais de todas as actuais freguesias.

A dimensão religiosa da vida humana tem sido aqui explicada e encontrada por padres que nos têm servido e que na sua esmagadora maioria, talvez porque vindos de fora, nos têm ajudado a definir os caminhos da história com muita sabedoria. O nosso sucesso nasce da nossa intimidade, mas também se alimenta de uma confiança estrutural no futuro que nos faz arriscar em todo o mundo. Eles têm-nos ajudado muito (ver e pesquisar documentos sobre a importância e influência do Mosteiro de Ferreira no desenvolvimento das Terras do Ferreira).

Consequência também disso são as festividades religiosas que permitindo o misto profano são nas nossas freguesias motores de desenvolvimento económico insubstituível, além de fundamentarem e permitirem um autêntico desenvolvimento da cultura popular.

Justo lembrar, agora que escrevemos em data de aniversário, que as maiores festas concelhias por ocasião da instituição do concelho aconteciam em Sobrão. As festas de Santo Ovídio constituíam um pólo de atracção obrigatório para as populações da Santo Tirso, Valongo, Paredes e Penafiel e, por maioria de razão, da população da nossa terra.

Capela de Santo Ovídio e imagem de via sacra – a cruz como sinal de uma interpretação da vida

Olhando, com fé, pois claro, para este passado importa perceber a importância sociológica destes movimentos sociais que ajudaram a desenvolver e definir a nossa terra. Haja inspiração, vontade e iniciativa para trazer à palavra dos dias a necessidade de manter e promover estes eventos de dimensão humana (cultural e religiosa).

Também muito importante era nos tempos da quaresma participar na Via Sacra de Codeços, ali na fronteira e na inclinação para o rio Ave. Lustosa, Vizela, Negrelos e Roriz, e também Ferreira, Freamunde, Carvalhosa, Eiriz, Figueiró, Lamoso e Sanfins (sobretudo estes) – provavelmente hoje ainda se lembrarão deste monumento religioso que atraía os seus antepassados em dia certo do ano. Esta via sacra ainda lá está, à espera de ser reinterpretada e desenvolvida por todos nós.

Um concelho urbano

Talhado pelo tempo, pela abertura da economia e da sociedade, sobretudo depois de 1974, o nosso concelho viveu a sua “revolução industrial” desenhando novas estéticas urbanas e inovadoras formas de vida, aceleradas desde 2000 com a revolução digital. Politicamente urbano e para isso caminhando, entende-se como favorável a adesão à chamada área metropolitana do Porto enquanto se espera seja confirmada a linha férrea de Valongo a Felgueiras.

Desde sempre o nosso povo se adaptou a novos desafios, com confiança e sem medo: os desafios que estão a chegar apenas exigirão de nós todos uma boa pedalada para vencer o contra-relógio que a vida nos coloca todos os dias.

A memória que garante o futuro

Desde 1952, em Sobrão, também está e se continua a construir o melhor património imaterial da nossa terra. Por iniciativa de José Ferreira Martins e António Manuel Pereira da Silva Matos, no primeiro dia desse ano, nasceu a Gazeta de Paços de Ferreira.

Esta instituição do concelho garante a memória de nós todos quando pretendemos conhecer a história da nossa terra. Nela nos revemos por ali terem sido relatados os acontecimentos que desenharam o concelho. Ainda hoje a sua escrita é fiel ao ritmo dos dias, fornecendo-nos as informações na cadência dos acontecimentos.

De exclusiva responsabilidade privada, a Gazeta explica-nos que ninguém está dispensado de prestar um serviço público. Mais que as notícias do dia, este quinzenário é ele próprio fonte de notícias e esclarecimento para quem queira, de forma honesta, conhecer a nossa terra. Para gostar da nossa terra, precisamos de ler a Gazeta de Paços de Ferreira.