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casa das artes
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PSD – a laranja mecânica

Em 1971 pudemos ver o filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), adaptado, produzido e dirigido por Stanley Kubrick, baseado no romance de 1962 com o mesmo nome de Anthony Burgess. Emprega imagens violentas e perturbadoras para comentar sobre a delinquência juvenil, gangues de jovens, e outros assuntos sociais, políticos, e económicos numa distópica Grã-Bretanha próxima ao futuro.

Alex ( Malcom Mc Dowell) o personagem principal, lidera uma pequena gangue de arruaceiros, a quem ele chama de seus drugues (da palavra russa  друг, “amigo”, “camarada”). O filme narra a horrível série de crimes do seu gangue,  a sua captura, e a tentativa de reabilitação através da experimental técnica de condicionamento psicológico (a “Técnica Ludovico”) promovida pelo Ministro do Interior.

Filme que tem uma missão: impor uma narrativa vencedora, em sede de disputa do poder na sociedade. Feitos os devidos descontos (retirando da apreciação a violência das actuações) este filme vem-nos à memória ao assistir ao continuado assalto ao poder no PSD desde que Rui Rio o lidera.

Múltiplos candidatos a líderes que se atropelam por cima de cadáveres políticos entretanto caídos em combate, e encontros turbulentos entre potenciais candidatos a sucessores que brotam das mais diversas distritais. Uma narrativa posta a circular em toda a imprensa que mantém a aposta em deteriorar a autoridade/legitimidade de quem lidera, usando para isso frequentes sondagens como fonte de verdade e opção.

Mesmo depois do cíclico erro de apreciação – como se comprovou nas sondagens a propósito das sondagens na autárquicas – mantèm-se a aposta em derrubar Rio e sustenta-se a necessidade de “renovação” por quem nunca se submeteu a eleições, mas considera estar em melhor posição do que aqueles que as enfrentaram.

O perfume laranja criado com a vitória em Lisboa e o relativo crescimento autárquico, não é atraibuído a quem lidera mas é considerado como  a oportunidade de derrubar quem preparou esses resultados. Cheira a poder, afiam-se as facas para as noites longas que vêm aí, e os realinhamentos são constantes, na sequência das oportunidades criadas.

Rui Rio – ontem no Parlamento – declarou que o PSD tem de estar preparado para eventuais eleições antecipadas, na hipótese de uma eventual recusa do Orçamento de Estado, e perante a evidência de que o PCP e o BE percebem a erosão eleitoral causada pela sustentação da “geringonça”.

Propõe assim o adiamento das directas no partido e que o Conselho Nacional social-democrata aprecie, com tempo, uma estratégia de luta eleitoral capaz de enfrentar o PS. O clima desejado por Rio não é aceite pelos protocandidatos a líder que vêm o adiamento como “uma antecipação” do presidente do partido para garantir “a sua candidatura a primeiro-ministro” numa atitude que classificam de “desespero”.

Todos estes protocandidatos esperam também que no partido ao lado, o CDS, aconteça o mesmo “filme”, com o derrube da liderança eleita e agora desafiada por Nuno Melo, uma espécie de SubPortas, tentando recolher o apoio do antigo líder agora confortado com a vida empresarial e de comentário (ex-machina”).

Na construção da narrativa política do centro/direita assistimos assim à produção de um enredo que escolhe meticulosamente os seus personagens, dentro de uma linguagem politicamente correcta, tolerada pelos meios de comunicação (sobretudo televisôes) mesmo que isso seja estranho à necessária “realpolitik” – quem está hoje em melhor posição para apresentar ao país uma alternativa credível e viável capaz de enfrentar o horizonte vermelho criado em 2015, num acto de desespero de António Costa e do PS (que tinha dispensado António José Seguro)?

Teremos assim um inverno político de noites muito quentes onde se baralharão cartas atrás de cartas, na procura de um trunfo capaz de virar o jogo. Talvez isso aconteça até março de 2022. Será que deste jogo surgirá uma nova política capaz de aproximar Portugal do futuro?

No campo dos cépticos onde nos encontramos, associados ao elevado número de portugueses que militam na abstenção, talvez tenhamos que rever, lá pela páscoa, o clássico filme “e tudo o vento levou”.