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Violência doméstica – um tsunami silencioso

“O número de casos de violência doméstica durante o confinamento imposto pela pandemia da covid-19 aumentou 60%”- segundo a OMS
Segundo dados da PSP foram contabilizados, de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2020, 11 000 (onze mil) casos de violência doméstica a uma média de 40 casos/dia de que resultaram 20 mulheres assassinadas.
Desconhece-se, no entanto, toda a extensão desta violência em termos de sequelas das sobreviventes bem como se os números traduzem, de facto, os casos reais. Para além de muitos dos casos não serem conhecidos das autoridades por as vítimas os ocultarem com receio de represálias dos agressores (pelo menos 1/3 das mulheres assassinadas tinha apresentado queixa), vive-se o tempo da pandemia e das prioridades que à mesma foram atribuídas afrouxando a vigilância sobre situações igualmente prioritárias.
Nestes tempos de confinamento, muitas mulheres estão recolhidas com o seu carrasco, sem forças para gritar nem locais aonde se dirigir.
Pese embora o facto de haver, segundo o Governo, mais reclusos a cumprirem pena por violência doméstica, e mais 30% com pulseira eletrónica, a verdade é que esta situação continua a ser preocupante e sem sinais de fim à vista.
O sistema de vigilância e proteção sobre as vítimas continua a amostrar-se ineficaz ou insuficiente e, também ineficaz a atenção dada aos problemas de saúde mental. O opressor é, de facto, alguém que sofre de problemas do foro psiquiátrico que não foram detetados, ou foram subestimados, permitindo que estas pessoas vivam com outras pessoas constituindo perigo para elas. O Governo afirma que há mais 43% de homens em programas direcionados para agressores. Todavia desconhecemos sobre que números é que recai este aumento de 43% e qual o grau de eficácia dos programas realizados.
Para além das situações de depressão, borderline, esquizofrenia e bipolaridade, entre outras, há indivíduos que foram acumulando às propensões genéticas todo um conjunto de traumas que, associadas a uma cultura do machismo que ainda não foi erradicada, tonaram-se verdadeiras bombas-relógio em família.
A violência doméstica é uma inferioridade civilizacional que ainda se regista com acuidade nas sociedades modernas. Vivemos para termos uma família. Para educarmos os mais novos em ambiente de construção da sua personalidade. E, também estes, acabam por se transformar em vítimas quando presenciam violências domésticas inauditas, desumanas e anti educacionais.
Sociologicamente os comportamentos tendem a reproduzir-se.
O mundo gira como se nada acontecesse, mas, todos dias, definhamos como pessoas coexistindo com a violência e a morte. Portugal até nem leva a bandeira nesta situação de negatividade. Todos os Países a registam mesmo os mais desenvolvidos. O feminicídio não é um mito. É uma questão de cultura.
Termino com uma citação de Paulo Brandão, diretor artístico do Theatro Circo em Braga quando, em 2019, uma funcionária do Theatro Circo foi degolada à luz do dia, em plena rua de Braga, pelo seu ex-marido. Em sua homenagem, a sala de espetáculos não abriu as portas e os colegas promoveram uma vigília contra a violência doméstica com 500 pessoas a descer as ruas da cidade, num gesto que pretendia ser um grito de alerta.
“Pela cultura também se educa”, disse à Lusa Paulo Brandão. “Nem uma vítima mais.”
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Lídia Soares, redactora Sociedade Justa, membro do “Grupo Privado Sociedade Justa” no facebook