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3 anos 1 mês

Albino Loreira – Um filho da Gandarela

Muitos freamudenses sabem de cor as canções da opereta Gandarela, que o Fernando Santos – Edurisa Filho, levou à cena em 1963 e que desde então de dez em dez anos regressa ao palco através do GTF – Grupo Teatral Freamundense, mas só alguns lá nasceram e cresceram no período retratado. Foi lá que nasceu Albino de Sousa Carneiro da Silva, a 12 de Fevereiro de 1942, mas por todos conhecido como o Albino Loreira, filho do Joaquim Carneiro da Silva, conhecido como Joaquim Loreira, de quem herdou o apelido, sendo também filho de Joaquina de Sousa. O Albino Loreira tem saudades daquela Gandarela, um lugar totalmente diferente, mas também conformado, pois o mundo não pára.

Sente também saudades dos seus amigos daquela época, das sardinheiras, das confusões que havia quase diariamente entre famílias, insultavam-se, mas que eram gente boa, tinham bom coração, era passageiro, ao outro dia já estava tudo bem, era a miséria a responsável pelos conflitos, os baixos salários de aqueles que conseguiam trabalho.

– Era mesmo de bradar aos céus. As pessoas andavam descalças. Eu ia para a escola descalço e quando chovia eu ia para a escola com um saco de serapilheira metido na cabeça, não havia guarda-chuva. Muitas vezes a minha mãe dizia que eu não ia à escola porque estava a chover muito, mas eu apanhava a minha mãe distraída e fugia, eu gostava da escola.

O meu pai era pedreiro, mestre de pedreiro, assim como os meus irmãos. Foi o meu pai que construiu por volta de 1937 o primeiro exposistor e primeira loja de móveis de Freamunde e do concelho, que era do Pereira da Costa, da Fábrica do Calvário. Nós éramos seis irmãos e só eu é que sabia ler. O Teodoro, como era afilhado do Pereira da Costa foi trabalhar para a sua fábrica.

O Albino Loreira gostava da escola e tem boas recordações.

– A minha professora foi a D. Rita, da primeira à quarta classe e a quem eu devo muito. Há um ditado que diz: ensinar é dar para sempre. Foi uma pessoa que me marcou imenso e a quem eu estou muito grato, por aquilo que nos ensinou. Também dava os seus “bolinhos” quando era preciso, era o sistema da época. Era muito boa senhora e minha amiga. A escola era onde foi a antiga Junta de Freguesia, que foi depois deitada abaixo. Eu andei com o Adolfo Sardinha, o Zeca Cherina, o Luis Alterto Teles, o José Carlos Lobo, o Robi e outros. Eu gostava da escola. Em minha casa não havia luz eléctrica. No inverno os meus pais iam para a cama, a minha mãe arrumava a mesa onde a gente almoçava e jantava e eu ficava à luz dos candeeiros a fazer os deveres. Às vezes tinham que me chamar para eu ir para a cama porque eu ficava agarrado aos livros.

Os tempos livres na juventude era passados a jogar à bola e uma vez por uma semana havia a ida ao cinema. Quando apareceu a televisão é que os cafés já passaram a ter a visita de Albino Loreira, quando já tinha 15 anos e ganhava dinheiro, pois começou a trabalhar com 12 anos.

– O meu primeiro emprego foi a embrulhar ligaduras. Cheguei a ter as pontas dos dedos com marcas dos alfinetes. Trabalhava onze horas por dia na fábrica do Chamusca. Passado um ano fui trabalhar como marceneiro para a Fábrica do Calvário, do Pereira da Costa, que na altura contava com cerca de 90 trabalhadores, mas depois tive um desentendimento e fui para a Fábrica do José Leal, que tinha cerca de 25 trabalhadores, até ir para a tropa, aos 21 anos.

Antes de ir para a tropa já namorava e passados dois anos após ter vindo da tropa casa com a Maria Olívia, mãe dos seus filhos, o Vitor, a Susana, a Ginha e o Pedro, que era de Roriz e infelizmente faleceu aos 34 anos. Mais tarde casou novamente, com a Eduarda, de quem teve mais um filho, o Miguel.

A tropa é cumprida na Marinha, sendo actualmente o marinheiro mais antigo de Freamunde. Há um convívio anual de cerca de 80 antigos marinheiros que se realiza a 5 de Outubro, desde há cerca de 35 anos que foi por si primeiramente organizado. A recruta é feita em Vila Franca de Xira, tirando depois a especialidade de radarista. 

Segue-se a ida para Base Naval de Lisboa e o seu primeiro embarque. Os Açores esperavam por si para o cumprimento de duas missões, conhecendo todas as suas ilhas. Uma “finta” feita a Salazar livrou-o da ida para a guerra do ultramar. Queixou-se do menisco, é operado e felizmente já não teve que ir para a Guiné. Cumprido o Serviço Militar Obrigatório, regressa ao trabalho à Fábrica do José Leal durante 6 meses. Volta novamente a mudar de patrão e vai trabalhar para o Luís Moreira, em Paços de Ferreira, regressa a Freamunde ao Coelho & Martins e mais tarde começa a trabalhar por conta própria como casqueiro, o que fez até à sua reforma.

Só os freamundenses mais velhos se recordarão de ver o Albino Loreira a vestir a camisola do Sport Clube de Freamunde. Eu ainda me lembro, mas quando já jogava nas velhas guardas.

– No ano que eu ia jogar nos juniores, o treinador era o Zeca Mirra, que teve uma chatice com a Direção, o Toninho Torres, o Fernando Leal. Depois entrou o senhor Correia, desentenderam-se e durante dois anos não houve juniores. Mais tarde, eu acabava de trabalhar e ia assistir aos treinos. Eu apanhava as bolas cá fora e chutava com força. Um dia, o falecido senhor Rego vem ter comigo e pergunta-me:

– Ó Loreira, queres treinar?

– Eu quero.

– Amanhã, vou dizer à senhora Emília para te arranjar um equipamento. O treinador era o Osvaldo Cambalacho. 

– Nesse ano joguei nas reservas e depois joguei alguns jogos como titular. Fui Campeão Distrital na época de 1969-70. Depois aera encarregado e à quinta-feira à tarde tinha que faltar. Acabei por abandonar aos 32 anos. Mais tarde joguei pelas Velhas Guardas até aos 45 anos. Passaram por aqui bons treinadores mas eu gostava muito do Osvaldo Cambalacho. Joguei com o João Taipa antes ir para a Marinha e vi o seu último jogo, no Vilanovense, com uma chuva terrível e quando já tinha para aí quarenta e tal anos. Mas para mim, o melhor jogador que se criou em Freamunde foi o Humberto, tinha uns pezinhos, levantava a cabeça, a bola sempre controlada, se fosse hoje era um craque.

Nunca mais me esqueço que num ano fomos jogar a Chaves e o senhor Rego encomendou para o almoço um cozido à portuguesa. Naquela altura não havia substituições, mas iam sempre jogadores a mais, caso houvesse alguma indisposição com os titulares. O Osvaldo Cambalacho disse que não podia ser assim. Quem não ia jogar, o massagista e os diretores comeram o cozido à portuguesa e o cozinheiro teve que fazer outra comida mais leve para os que iam jogar.

Da esquerda para a direita, de pé: Idalino, Rola, Miguel, Ribeiro, Barbosa, Luís Afonso, Júlio Guerra, Chile, Faria, Zé Maria Viana, Albino Loreira, Quim, Rita, Zeca Pequito, Fernando Leal, Teodoro Freire e Fernando Soares.                   Em baixo: António Alves, Fernando Viana, Gusto do Américo, Barbosa, Humberto, Abel, Venâncio, Jacinto, Ernesto, Couto, Albino Malapeiro, Manel Frita, Francisco Carvalho, e Jacinto Correia.                                                                 Como curiosidade refira-se que nesta equipa se juntaram os irmãos Zé Maria e Fernando Viana, o Humberto e Ernesto, o Chile e Albino Malapeiro e os Barbosas, tio e sobrinho.

Só após o 25 de Abril é que o Albino Loreira desperta para a política e se torna militante do PCP. Só sabia que havia uma grande contestação.

– Em 1989 fui eleito pela CDU para a Junta de Freguesia de Freamunde. Era Presidente o senhor Carneiro, pelo PSD e também fazia parte do executivo o Prof. Campos, pelo PS. Demo-nos sempre muito bem. O senhor Carneiro dizia que sentia que era apoiado por nós, íamos com ele a todas as reuniões à Câmara. A nossa grande luta era trazer para cá a GNR.  (1) Lembro-me também de uma reunião na ARS, no Porto, para que fizessem cá o Centro de Saúde. A Câmara tinha que indicar qual era o terreno que tinha disponível e a Câmara sem ter nenhum apontou três terrenos, em frente ao Café do Gusto, onde é o Centro Infanto-Juvenil António Freire Gomes onde acabou por ser construído.

A visita de Álvaro Cunhal a Freamunde foi um momento marcante, com que se encontrava também sempre que ia à Festa do Avante, onde o encontrava no espaço dos reformados.

Numa exposição no Porto sobre a vida e a obra de Álvaro Cunhal

Hoje são as Sebastianas, mas noutros tempo eram chamadas de Festas da Vila. Em 1971, a Comissão de que fazia parte o Albino Loreira era composta por 12 elementos e acabou por ficar só com 7 elementos. Tempos difíceis, recorda que havia pessoas que só davam 25 tostões, era o que podiam, merecendo a mesma gratidão dos festeiros, pois conheciam as suas dificuldades. 

A columbofilia foi também uma da suas paixões, tendo começado a ter pombos correios aos 15 anos. Fez uma interrupção quando esteve na vida militar e quando voltou teve novamente pombos. Agora não tem porque a columbofilia está cara, não está acessível para um reformado. Foi também Presidente da Sociedade Columbófila de Freamunde durante cerca de 12 anos. No Sport Clube de Freamunde também foi dirigente quando era Presidente o Vieira da Silva.

A pessoa que mais admirou na sua vida foi a sua mãe.

– Além de ser minha mãe, era uma jóia de pessoa. Ela ia todos os dias a minha casa e só se zangou comigo uma vez. Um senhor que tinha uma mercearia onde ela gastava, disse-lhe:

– Então, o seu filho tem uma casinha dele e é comunista?

– A minha mãe ficou muito indignada, zangou-se comigo, mas foi passageiro.

Passado uns tempos há umas eleições e a minha mãe pergunta-me:

– Ó meu filho, onde fica aquele partido onde tu vais votar?

– A mãe põe o papel assim e depois é no quinto que vota.

Depois de elucidar a minha mãe perguntei-lhe:

– Ó mãe, vai votar no meu partido?

– Ó meu filho, tu lá tens as tuas razões, eu também vou votar nele.

Isso marcou-me para toda a vida.

Para o futuro o Albino Loreira gostava que Freamunde evoluísse, que não fizessem umas “cócegas” só quando há eleições e que as colectividades se desenvolvessem sempre cada vez mais. Sente que já está em fim de carreira, mas gosta de por cá andar, enquanto se puder mexer e não der trabalho a ninguém, quer por cá andar com os seus filhos, os seus netos, os seus amigos.

NR– O Quartel da GNR acabou por ser implantado em Freamunde mais tarde.

Por Pedro Ribeiro