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casa das artes
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O nosso Luís Rego

Luís Rego – o Freamunde – , esta personalidade singular da nossa terra, recebeu Pedro Ribeiro para uma conversa de memória que retrata aqui com emoção. Aqui fica o registo necessário e que nos mostra porque a nossa terra é uma nação de vencedores.

Eu tinha à volta de oito anos quando fui para a Escola Infantil de Música de Freamunde, no Alto da Feira, onde nasceu e ainda reside na mesma casa o Luisinho, que é como eu sempre o conheci e tratei. Os seus pais, António Ferreira Rego Júnior e Maria da Conceição Pereira Gomes baptizaram-no como Luís Fernando Pereira Rego, nascido a 6 de Fevereiro de 1950. 

Fez o percurso da Escola Primária nas Escolas Amarelas com os professores Jaime Brito, D. Adelina e Francisco Valente, com quem esteve mais tempo.

– Não é para me gabar, mas era bom aluno, passei muitos momentos alegres, divertidos e quando o Professor Francisco Valente me pedia para ir buscar o jornal ao senhor “Armandinho” Oliveira. Eu ia pelo caminho e passavam aqueles carros de bois com aqueles “rapazitos” que infelizmente não vinham à escola e iam em cima, aquilo dava-me uma raiva, via-os com uma liberdade medonha. Momentos engraçados eram também quando nos intervalos se jogava futebol, quando se apanhavam abelhas que pousavam nas flores, quando ia lavar os tinteiros à jóia, aquilo era uma alegria medonha. Ir à nossa jóia era lindo, era lindo, bocados bonitos, são tempos que eu recordo com saudade – diz-nos.

Luís Rego recorda também com saudade os tempos de catequese com a sua catequista D. Ernestina Brito, esposa do senhor António Vieira e s sua Comunhão Solene em que estiveram presentes os seus padrinhos, que eram de Casais, e fruto de uma promessa que o seu pai tinha feito a um amigo também músico da Banda de Lousada. 

Depois da Escola Primária os seus pais queriam dar-lhe o melhor e o Luisinho foi estudar.

 – Fiz a admissão na D. Rita e depois fui para o Colégio para Paços. Ia eu, o Quinzinho Pinto, o Sousa da Tipografia. Íamos a pé e vínhamos à boleia. Quando tínhamos boleia era uma alegria, quando não nos davam boleia os carros passavam e nós tratávamo-los mal. Muitas vezes ficávamos pelo caminho a jogar futebol. Passávamos também na Miquelina, nós começávamos a entrar com ela, aquilo era uma festa, ela dava cada grito. Foram tempos maravilhosos. 

Depois fui um ano para Paredes estudar para o Colégio do senhor António Teles de Menezes e depois voltei novamente para Paços de Ferreira. Fiz o quinto ano liceal e entretanto fui chamado para o serviço militar. 

Assentei Praça em Leiria, no R. I. 7. Tirei a especialidade de Cripto e fui para R. A. L. 4, que era também em Leiria, junto ao Castelo e depois fui para a Trafaria. 

Um caso importante, quando vim gozar um mês de licença a Freamunde, passados três ou quatro dias estava em casa e chega um amigo meu, o Quim Lopes, bateu à porta e diz à minha mãe que o seu filho estava mobilizado para o Ultramar. Quando ela me deu a notícia começo a chorar. 

Tive que me apresentar em Évora no R. A. L. 3. Vinha com dez dias de licença, voltava a ir para baixo e os meus pais estavam convencidos que eu acabava por não ir para oUltramar. Vou para o Entroncamento, encontro lá o Quim Lopes na Manutenção Militar. Entretanto voltei novamente para Évora e acabei por embarcar para Angola no dia 2 de Abril de 1972, Dia de Páscoa. 

Nunca mais me esqueço. Estive em Angola 27 meses e cheguei aqui a Portugal à minha querida terra, Freamunde, no dia 23 de Julho de 1974. 

Uma nova vida começava e Luís Rego não tinha nenhuma profissão, era um problema, até que foi para Empregado de Escritório numa fábrica em Frazão, do Agostinho Coelho. Esteve lá pouco tempo, houve uns problemas, não queria pagar e veio embora. 

Um dia, a sua irmã, preocupada, falou com o Nandinho Correia, que tinha um escritório junto ao João Barbeiro e ele lá o meteu. 

– Aquilo começou a crescer, fui para Agente de Seguros, depois passamos o escritório para casa dele, depois para o Alto da Feira, na casa do meu falecido avô Américo Pereira. O que dava era para os dois. Passamos depois para a loja da Celestinha, aquilo começou a crescer, a crescer, muitos clientes, fiz muitos seguros e felizmente tenho uma vida estabilizada. 

Na sua juventude Luís Rego jogou futebol e diz-me que é um “tolo” pelo Freamunde, por tudo o que é de Freamunde, dizendo até mais:

 – Um paralelo em Freamunde para mim é uma jóia, é uma pérola. Há muita gente que gosta de Freamunde, felizmente, mas mais do que eu, posso garantir que não há. Quando ouço falar em Freamunde arrepio-me. Não é por acaso que no Ultramar ninguém me chamava “Óh” Rego ou “Óh” Luís, era “Óh” Freamunde. Mesmo esses colegas quando publico no Facebook sobre Freamunde, dizem-me que eu já era um “tolo” por Freamunde, só respirava Freamunde. Sim, fui jogar futebol, o Ernesto disse: – Oh pá, tu tens um pé esquerdo!!! E eu fui… não é para me gabar, mas eu tinha um pé esquerdo fabuloso. Eu fui um craque. Repara bem. Eu cheguei a jogar com uma sapatilha e uma chuteira. Metia três pares de meias e mesmo assim as tachas pisavam-me o pé todo. Fiz grandes jogos, marquei oito golos a extremo esquerdo, dei muitos golos a marcar. Nas camadas jovens vi muitos jogadores mas não vi nenhum melhor do que eu – e dá uma gargalhada. 

Em cima da esquerda para a direita: Quim, Zé Maria Viana, Alves, Martinho, Albino e Agostinho Rita. Em baixo: Couto, Valentim Cancela, Nani Santos, João, Luís Rego.

 – O Freamunde teve sempre grande jogadores. Eu lembro-me do João Taipa, o Humberto, o Ivo, o Barbosa, o Zé Manel, o Luís Mirra, o Vitorino, o Zé Maria do “Talho”, o Venâncio, o Abel, o Ernesto, o Couto, o Jorge Regadas que tinha uma inteligência medonha, o Sacramento, que era um goleador. Quando estava convocado pelo falecido Santana para fazer um jogo nas Aves pela equipa sénior vou para a tropa. 

Nesse jogo quem foi jogar por mim foi o falecido Toninho “Passareca”. Fui para Angola e quando regressei joguei mais um “anico” ou dois. Na minha equipa de reservas joguei com o Albino, o Nani, o Couto, o João, o Agostinho Rita, o Domingos Faria e acabou. 

E porquê? Apareceu a Banda. Fui também dirigente do Sport Clube de Freamunde. Estive na Secção Juvenil e nos Séniores. O Freamunde teve sempre bons presidentes. Recordo o senhor Fernando Leal, o Anselmo Marques, o Ernesto Taipa, o António Alves, o Vieira da Silva, o Armando Teles. Para mim, independentemente de terem subido ou descido todos têm um valor excepcional, deram o melhor de si. 

O “Toninho” Rego, pai de Luís Rego, foi músico e contra mestre da Banda de Freamunde durante muitos anos, assim como o seu avô, Américo Gomes Pereira. 

– Eu que sempre tive uma paixão pela música nunca fui músico, e porquê? Chegava a casa e o meu pai estava a ensaiar e “tirava” aquelas notas e eu adorava. Acompanhava-o para os ensaios e era uma paixão medonha, só que entretanto fui estudar, mas eu antes queria ter sido músico. O bichinho ficou. Adoro o futebol, adoro todas as colectividades mas a minha maior paixão, a menina dos meus olhos é a Banda de Freamunde.

 É através do Padre Arnaldo Meireles, Presidente da Associação Musical de Freamunde que Luís Rego chega à Banda de Freamunde quando entrou para uma comissão de angariação de verbas através de um peditório para a aquisição de um novo instrumental da nossa Banda, juntamente com o José Maria Taipa Pinto Nogueira.

 Reconhecendo a grande utilidade de ambos, o Padre Arnaldo Meireles convida-os a integrarem a Direção da Associação Musical de Freamunde onde Luís Rego esteve durante quase 42 anos e tendo também sempre a companhia de José Maria Taipa Pinto Nogueira até à sua precoce partida. 

As actuações da Banda em França e Espanha, no baptizado do filho do D. Duarte, nas Bodas de Ouro da Banda do Pejão de quem a Banda de Freamunde é a madrinha, o título de Instituição de Utilidade Pública, a atribuição da Medalha de Ouro pela Junta de Freguesia de Freamunde e da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, a festa de Homenagem ao nosso Maestro Manuel Abreu Neto, as comemorações dos 170 anos da Banda de Freamunde com a vinda a Freamunde de todas as Bandas Militares, um caso único, são momentos que o deixam orgulhoso. 

 No entanto, a maior mágoa foi não ter sido possível enquanto dirigente assistir à construção de um Auditório em Freamunde onde a Banda possa atuar, um projeto que deu muito trabalho, que contou com o apoio da nossa gente e de um grande freamundense, o Raúl Brito, e quando o projeto após muitos pareceres positivos foi recusado pelo Governo de José Sócrates, o nosso conterrâneo e Governador Civil do Porto escreveu uma carta ao Primeiro Ministro acusando-o de uma enorme injustiça, se não fosse no orçamento daquele ano que transitasse para outro ano, mas que aprovasse o projeto. 

Luís Rego acredita que ainda vai assistir a um concerto da Banda de Freamunde num grande auditório na nossa terra.  Como qualquer Freamundense que se preze também fez parte da organização das Sebastianas.

Ora bem, eu fui duas vezes membro da Comissão de Solteiros, depois comecei a fazer carros para a Marcha Alegórica e mais tarde fui nomeado Presidente da Comissão das Sebastianas de 1985. Éramos 21 elementos mas infelizmente já faleceram 3 elementos. Tinha uma equipa maravilhosa e organizamos muitos espectáculos como na noite de Páscoa em que choveu torrencialmente. 

Tivemos uma marcha espectacular, com muitos carros e foi a primeira vez que vieram muitos grupos de bombos para a Marcha. Vieram para aí 7 ou 8 grupos de bombos mas cada um com 25 elementos. Veio muita gente e foi muito bonito. Foi a nossa grande marca. 

As festas de Freamunde estava a decair um bocadinho, a perder aquele mística e recordo-me do nosso jantar após as festas à beira da cantina da Praça, após o meu discurso o Agostinho “Painique” chega perto de mim, pega no microfone e pede que a nossa Comissão ficasse mais um ano. Disse-nos que gostou muito das festas. Claro, fiquei muito contente.

 Luís Rego admira todas as pessoas que gostam e trabalham para Freamunde mas o Fernando Santos, Edurisa Filho, do GTF – Grupo Teatral Freamundense, é uma figura incontornável de Freamunde. Admirou também o José Maria Gomes Taipa pela importância que ele teve na construção do Estádio do Sport Clube de Freamunde. No entanto, há um Freamudense que ocupa um lugar especial no coração de Luís Rego. 

– O José Maria Taipa Pinto Nogueira, meu grande amigo e compadre, foi uma pessoa espectacular, digo honestamente que Freamunde deve-lhe muito. Sentia Freamunde como eu, fez tudo por Freamunde, no futebol, nas Sebastianas, na Banda e em todas as colectividades em que esteve. Foi Presidente da Junta, fez obra. Era um grande Freamundense, um homem com um “H” grande, trabalhava com paixão em tudo o que se metia. Eu quando falo no Zé Maria arrepio-me.

Há um momento que marca a ligação entre estes dois grandes amigos. 

– Fui num sábado a casa dele e ele estava sentado cá fora à beira do jardim e diz-me que se sente melhor e pergunta-me:

 – Tu não queres dar um fardamento à Banda? 

– Eu digo que dou.

 – Dás? 

– Dou, quarta-feira vamos a Penafiel.

 – Dás? 

– Quarta-feira vamos a Penafiel que eu pago o fardamento à Banda. 

– Pronto. 

Notei uma alegria na cara e nos olhos dele quando lhe disse que dava o fardamento. Conversamos mais um bocado também com o Nandinho Correira e rimo-nos a recordar algumas histórias.

 A última conversa foi essa. Na segunda-feira a minha irmã diz-me que o Zé Maria tinha morrido… (faz-se um silêncio). Passados uns tempos, a esposa a falar comigo diz-me que ele tinha ficado muito contente por eu dar o fardamento… (emocionamo-nos e fazemos uma pausa).

Partiu com essa alegria e na semana seguinte eu fui com o senhor Queirós a Penafiel tratar do fardamento que foi estreado em Junho, nas Festas do Santo António. Foi a última iniciativa do Zé Maria, partiu tranquilo, foi em paz. Que a sua alma esteja em paz, é o que todos o que o conheceram desejamos. 

O Luís Rego tem o seu trabalho reconhecido e perpetuado com a atribuição do seu nome ao Museu da Banda de Freamunde e que considera a menina dos seus olhos. O Zé Maria tem o seu busto em frente à sede da Associação Musical de Freamunde e tem toda a sua ligação “estampada” na farda de cada músico da Banda em todos os lugares em que ela toca.

Texto: Pedro Ribeiro