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À ESPERA
casa das artes
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Uma mulher de Freamunde

No dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher nada melhor do que ir conhecer uma mulher determinada, alegre, com veia artística, que nunca permitiu que a sua condição de mulher a impedisse de ser quem é.
Era dia de cantar os Parabéns a Maria Augusta Sousa Ribeiro, nascida a 6 de Março de 1932, no Alto da Feira, Freamunde. A sua mãe, Maria da Glória Ribeiro de Sousa, era costureira, fazia em casa roupa para fora, o seu pai, José Ribeiro da Costa (Juca), trabalhava numa topia na Fábrica Grande, era tamanqueiro em sua casa e durante muitos anos foi músico na Banda de Freamunde, tal como os seus irmãos Belmiro, Claudino e Joaquim.
Para além de ser músico e ter irmãos que também foram músicos, o “Juca” também teve o gosto de ver os seus netos Pedro Ribeiro e Jorge Nautílio Ribeiro e a bisneta Raquel Pedra tocarem na Banda de Freamunde.
A Instrução Primária, assim designada naquela época, foi nas Escolas Brancas, a escola das meninas, e os meninos iam para as Escolas Amarelas. Foi com a D. Angélica e a D. Cândida Barroso que aprendeu a ler e a escrever. Cumprida esta etapa, era tempo de ir aprender a trabalhar nos teares em casa da Linda Rega e do Vitor, do Floriano Lama, da Miquinhas Moreira e do Zé Maria Taipa. O patrão era o Luís Teles, que colocava os teares em casa das dessas pessoas.
Da escola tem algumas histórias de que ainda se recorda:
– Lembro-me de numa ocasião andarmos a brincar, eu caí e fiz um lanho num pé, começou a deitar muito sangue e a D. Ludgera teve que me levar ao hospital. Era muito brincalhona, era “maria moço”. Lembro-me de namorar na escola, arranjávamos namoros, era tudo a brincar. Gostava deles – e solta uma gargalhada.
Andava de bicicleta. Fui uma ocasião a Bande, Carvalhosa, com a Beatriz do Vitor. à minha frente e lá ia. A Cecília “Faustina” também andava de bicicleta mas éramos poucas.
Da catequese também existem recordações, como uma cantiga cantada na Comunhão Solene.
A “Esterinha” Taipa, irmã da Neuza e que era muito linda cantava assim:
– Ao raiar a manhãzinha venho a correr do Céu abraçar os meus amigos escondido neste véu. – e nós respondíamos:
– Oh Jesus que disseste um dia, deixai vir até mim as crianças, nós queremos sentir a alegria do teu peito que é feito de esperança
– Sob o véu em que me escondo quantas vezes vós me esqueceis, aquilo cheio de saudade eu pergunto se vireis. Oh Jesus, doce amor da nossa alma, o amor dá-nos pena de ti, nós gostamos dessa luz tão calma, do teu rosto que hoje nos sorri.
Já mais tarde, recorda-se de ao domingo os homens se concentraram junto à Barbearia do João “Barbeiro” para verem passar as moças todas jeitosas que vinham da missa. Já havia o Café Teles mas não era um local que frequentasse. Era mais habitual irem ver o futebol ao Carvalhal, curiosas até por conhecer os jogadores que vinham de fora. Para fora também foi um dia, numa história inesquecível que a faz sorrir.
– Fui até Figueiró, havia lá um leilão e o homem da “Cinda”, da tia Esmeraldina, chamavam-lhe o “Manel da Isabel”, era de Lordelo, vinha numa mota e eu fui dar uma volta, fui andando sempre mas não podia parar, não sabia parar e tive que andar às voltas até acabar a gasolina. – e mais uma vez solta uma sonora gargalhada.
Um dos marcos da vida da Maria Augusta é ter sido Mordoma das Festas na Nossa Senhora da Conceição. Os festeiros eram o Carlos Felgueiras, o Fernando Moura e o “Capas Negras”. Sabiam que a Mordoma tinha muito dinheiro angariado, não sabiam era quanto. Dinheiro que chegou para pagar à Banda de Freamunde e ainda sobrava dinheiro. Quando souberam foi outra festa, era só palmas e abraços.
O casamento de Maria Augusta com Abílio Moreira Nogueira, do lugar de Xisto acontece na véspera das Festas Sebastianas. Deste casamento resultou uma menina que morreu, dois abortos e quatro filhos, a Albertina Luísa, o Joaquim Nascimento, a Maria da Conceição, a Maria João, os netos Luís Manuel, a Ana Filipa, o Bruno Manuel, o João Paulo, o Ângelo e os bisnetos Eduardo, Tomás e Bernardo. Brevemente irá nascer mais um bisneto.
– Eu já fim um poema aos meus filhos, netos e bisnetos. Queres que o leia?
– Claro que sim, deixou-me curioso.
Sementes da Nossa Semente
Sete sementes gerei
Restam estas quatro flores
Com um coração de ouro fruto dos nossos amores
Chegada a segunda semente
Que começa a germinar
Cinco netos de repente
Alegria do meu lar
 
Já com os oitenta e tal
P´ra consolar toda a gente
Dois bisnetos tão queridos
Fruto da terceira semente
Pobre, mas do coração
Este poema que fiz
Agradeço tudo a Deus o quanto no fez feliz
Foi no lugar do Carvalhal que construíram a sua casa lado a lado com os seus pais, irmãs e irmão.
Da esquerda para direita: Abílio Moreira e Maria Augusta; José Santos (cunhado já falecido) e Alzira (irmã); José Ribeiro da Costa (pai) e Maria da Glória (mãe); Fernando Ribeiro da Costa (irmão) e Felisbina Taipa (cunhada); Maria José (irmã) e Idalino Ribeiro (cunhado).
Já com alguma idade é que Maria Augusta começou a escrever as suas quadras e os seus poemas tendo conquistado 15 Menções Honrosas, um terceiro lugar, e participação em edições colectivas nomeadamente da Pedaços de Nós, de que é a sócia n.º 1.
MULHER DE ONTEM E DE HOJE
Tu, mulher que tanto sofrias
De noite não dormias
Sempre a pensar na má sorte…
Se não fosse pelos filhos
Que à vezes são empecilhos
Tu preferias a morte.
Levavas por tudo e por nada
Não te davam o valor
Faziam de ti escrava
O teu corpo era um tambor.
Pobre de ti, ó mulher
Que em silêncio e segredo
Não lutavas em protesto
Dentro de ti estava o medo.
Ainda bem, tudo mudou
Tu, mulher de agora,
Fuma, refila, luta
Chama-lhe filho da puta.
Não o deixes avançar
Nem que te levante a mão
Impõe-te, dá-te ao respeito
Não o deixes ser machão
Pois tens o mesmo direito.
Freamunde, 8 de Março de 2002
Maria Augusta Sousa Ribeiro
Diz Maria Augusta que elas agora abusam bem. Eles estão a chegar a casa e elas estão a sair. está melhor agora, as mulheres são mais livres.
Maria Augusta fez teatro no tempo do Leopoldo Saraiva, na última revista que ele fez, sobre Freamunde, em que entrava na parte em que se criticava o facto dos lampiões estarem sempre apagados.
– Os lampiões do jardim
Coitados têm enguiço
Como estão sempre apagados
Chegamos-lhes nós o tiço
Os Freamundenses que mais admirou ao longo da sua vida foram o Fernando Santos – Edurisa Filho e o Leopoldo Saraiva, o Luís Teles, o António Teles, o Carlos Felgueiras, o Zeca Mirra, o Alberto Mirra, o João Taipa. Mulher viajada, gostava de passear e diz que passeou muito:
– Acho que não há nenhum rico em Freamunde que tivesse passeado tanto como eu, mesmo sendo pobre. –  solta uma gargalhada.
– Portugal conheço de ponta a ponta, Açores , Madeira, algumas cidades de Espanha, Brasil, Hungria, Aústria, Israel, Andorra, fui a muito lado, fiz bem a minha parte.
Maria Augusta é uma romeira e mesmo com esta idade costuma estar em frente ao coreto da Banda de Freamunde nas Sebastianas a cantar efusivamente a Gandarela. O Carnaval é o seu dia preferido e não dispensa nesse dia andar mascarada e fumar sempre o seu cigarrinho.
– Se não fizesse mal à saúde e à carteira eu fumava, mas sei fumar, às vezes ainda digo a alguém da minha família para me deixar dar uma “travassa”.
Maria Augusta já está vacinada, é uma das mulheres mais idosas de Freamunde, que continue por cá por muitos anos com a sua alegria e irreverência contagiante.
Texto Pedro Ribeiro