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casa das artes
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O Fiat 600 do Padre Carlos Ribeiro

O padre Carlos Sousa Ribeiro, com 87 anos, faleceu na sua terra natal, Urrô em Arouca, e é recordado com carinho pela população de Ferreira e Paços de Ferreira onde exerceu o sacerdócio durante décadas. Foi nos anos sessenta, do século passado,  um farol para todos abrindo aos seus paroquianos os horizontes até aí limitados pela leitura que o regime definia.

Na altura as novidades chegavam de França e não estavam disponíveis para todos. E muitos dos seus paroquianos procuravam nesse mesmo país, soluções para as suas famílias procurando ali trabalho e rendimento. Nos tempos em que emigrar era proibido, o padre Carlos levava àquele país muitos dos seus paroquianos abrindo-lhes a hipótese de ver que a leitura nacional estava longe da realidade europeia.

As viagens a Taizé para as quais convidava muitos dos seus paroquianos permitiram explicar que havia caminhos a andar embora desconhecidos de todos.

Chegou a Ferreira em 1957. A Igreja Católica procurava caminhos de modernidade, deixou cair o latim nas celebrações litúrgicas e passamos a ver o nosso pároco de frente, presidindo à missa de domingo. Tudo era novo com este padre vindo de Arouca.

Deslocava-se no seu Fiat 600, de cor branca, percorrendo os caminhos de terra sempre com aquela pressa característica de quem tinha sempre muito que fazer. Fazia-o com o braço de fora, para cumprimentar tudo e todos que tratava pelo nome próprio independentemente da idade de cada um.

A freguesia chorou quando lhe foi entregue a paróquia da Sé no Porto. Perdíamos o farol das novidades que ele nos garantia e temíamos que o trabalho com os mais novos esmorecesse, sobretudo as organizações da acção católica e os movimentos laicais nos quais introduziu muitos de nós, mesmo nas estruturas diocesanas.

Estava presente nos momentos certos. E era padre no altar mas também nas mesas do café, onde partilhava conversas sobre qualquer assunto deixando sempre cair uma ou outra ideia para que ficássemos a pensar nisso. E gostava de estar com as pessoas, os seus amigos.

Em Ferreira percebeu a nossa gente como ninguém e explorava entre nós conversas amenas pegando nas motivações que nos animavam. Brincava com as nossas filiações clubísticas  e provocava as brincadeiras entre adeptos do Freamunde e do Paços, sempre terminando o diálogo com uma gargalhada que não esquecemos.

O meu pai quando ia ao Porto visitava sempre que podia o padre Carlos na casa paroquial da Sé. Numa dessas visitas, em que eu também fui,  (não sabíamos que era a última), o padre Carlos no meio de um sorriso, deixou escapar uma confidência:

…..Tenho uma novidade para ti, Filinto, o senhor bispo do Porto vai mandar-me para a paróquia de Paços.

O meu pai tendo ficado em silêncio, ouviu de seguida esta explicação: Sabes que a vontade do bispo é como uma sentença.

E como que regressando às conversas de sempre dos tempos em que era pároco de Ferreira, o meu pai respondeu:

Espero que o senhor bispo tenha a humildade de se confessar do pecado que acaba de cometer!

Era assim que para nós, o Padre Carlos voltava a ser nosso. Vinha para a nossa terra. O que era uma excelente notícia.

A paróquia de Paços recebeu-o e acolheu-o muito bem. E durante vinte e três anos colheu os frutos de um magistério inesquecível.

Continuei a partilhar com o padre Carlos muitos momentos, apesar de viver longe. Quando cá vinha aproveitava para passar pelo café King. Sentava-me na mesa dele, sem pedir licença. Afinal fazia o mesmo que o padre Carlos que, desde os meus primeiros anos, entrava em minha casa como se estivesse na dele. Falávamos dos assuntos do dia, ele que me dizia que a evangelização também se fazia a partir da leitura dos jornais. Ele sabia que eu era jornalista.

A doença fê-lo regressar à terra natal, em Urrô, Arouca, onde quis estar com os seus, a sua família íntima que da nossa terra tem boas recordações. Todos visitaram Ferreira e Paços e sabemos os nomes dos seus irmãos:  Padre José Brito Pereira (falecido), Isaura de Brito Ribeiro (falecida), Maria Pereira de Sousa (falecida), António de Sousa Ribeiro, Inês de Sousa Ribeiro Brandão, Arminda de Sousa Ribeiro, Mafalda de Sousa Ribeiro – que partilhou toda a vida com o padre Carlos (falecida), e o Padre Joaquim de Sousa Ribeiro.

À família do Padre Carlos apresentamos as nossas condolências. E choramos convosco este momento. Porque sendo vosso, o padre Carlos também é nosso.

Texto: Arnaldo Meireles

Foto: Junta de Freguesia de Paços de Ferreira