Se constantemente somos confrontados com um olhar desiludido sobre o ano 2020, o meu desafio passa por refletir sobre um outro lado deste “annus horribilis” e abrir uma janela de esperança.
De forma completamente inconsciente, estamos a escrever e a ser personagens principais de um momento que marcará a história da Humanidade, tal como aconteceu noutras pandemias. Daqui a 100 anos, ou talvez menos, iremos ser enciclopédias e fontes inesgotáveis de conhecimento sobre um momento determinante nas nossas vidas. Mas mais do que sermos apenas “arquivos históricos”, poderemos vir a ser o rosto de mudanças essenciais na história mundial.
As pandemias tendem a ser marcos importantes na história da Humanidade que determinam mudanças essenciais a nível social, económico e cultural. Exemplo disso, é a peste bubónica, conhecida como Peste Negra, durante a Idade Média, que abriu portas ao Renascimento e ao “século das luzes”. Ou mais recentemente a Gripe Espanhola, nos inícios do século XX, que deu lugar aos “Loucos Anos 20” e a todo o crescimento científico e tecnológico que marcou o século passado.
Certo é que, no imediato, a pandemia da COVID-19, veio trazer-nos uma lição de humildade e pequenez quando, perante um organismo “não-vivo” e invisível, como é um vírus, toda a Humanidade sucumbiu e se sentiu vulnerável. A noção de que a nossa relação com a Natureza precisa de ser reformulada no sentido da sustentabilidade é um dos princípios que marcará os próximos anos.
Também a nossa ideia de liberdade se sentiu, de repente, alterada. Se anteriormente ela estava votada à individualidade, de repente percebemos que a liberdade depende dos comportamentos e ações dos outros. Uma atitude irrefletida e inofensiva hoje, pode trazer consequências graves na vida da sociedade. Isto representa a mudança do paradigma em que, anteriormente, a minha ação individual tinha, sobretudo, efeito sobre mim e nos meus mais próximos. Agora sabemos que, as nossas ações, têm um efeito global. Significa isto que, a nossa liberdade não acaba quando começa a do outro, mas sim que se continua, prolonga, na liberdade do outro.
E, depois, temos a ciência. Elemento chave na compreensão, gestão e combate à pandemia. Mais do que ciência por si só, foi a união global que se fez em torno da defesa de um bem comum: a saúde. Mas se fomos exigentes para a COVID-19, ao apelarmos a uma rápida resposta por parte da comunidade médica e científica, o mesmo tem de se fazer para as muitas doenças que, devido ao foco na pandemia, ficaram para segundo plano nas investigações mundiais. Acredito que os próximos anos trarão uma revolução gigante na área da ciência e da saúde, com novas tecnologias, respondendo de uma forma mais segura e eficaz às doenças, com o envolvimento cada vez maior da sociedade na tomada de decisões.
Por tudo isto, e apesar das muitas incertezas, quero olhar para o ano 2020 como sendo o ano “zero” que marcará uma mudança global no rumo da nossa história. Vários filósofos, sociólogos e historiadores têm referido que, após uma pandemia, seguem-se anos de crescimento e prosperidade. Serão os “loucos anos 20” do século XXI. Não sei se tal se irá repetir, como em séculos passados, mas tenho a certeza de que está nas nossas mãos lutar para que isso aconteça.
Luís Miguel Martins, Estudante de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Presidente da Associação de Desenvolvimento e Amigos da Terra de Carvalhosa (ADATERRA)