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casa das artes
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Saber escutar, para chegar ao conhecimento

Há aproximadamente cem anos, Harlow Shapley lutava nos meios académicos contra as hipóteses de Edwin Hubble, um famoso astrónomo da época. Hubble propunha a existência de múltiplas galáxias no Universo, algo que Shapley rejeitava com os seus modelos matemáticos que vigoravam desde há muitas décadas.

Eram polos opostos na discussão, até que Hubble contactou diretamente Shapley por carta e demonstrou a hipótese usando as medições que tinha retirado nos seus observatórios.

A reação de Shapley foi uma que, cem anos depois, parece uma miragem em qualquer quadrante da nossa vida social ou política: Shapley assumiu publicamente que Hubble tinha razão e propôs-se a fazer sessões de trabalho conjuntas de forma a evoluir aquilo que era então apenas uma hipótese mas que é hoje uma teoria científica sustentada por evidências.

E porque é que um texto sobre 2021 começa com esta história? Porque ela demonstra que somos capazes de escutar quem tem uma opinião diferente da nossa, de forma não dogmática,  permitindo-nos evoluir quando nos são apresentados factos.

2020 foi um ano polarizador em termos sociais, políticos e até científicos: As eleições na maior potência mundial; o Brexit; a pandemia. Assuntos em que a polarização de opiniões nasce e se alimenta por não estarmos abertos a escutar o outro lado, de ver os tons de cinzento entre o branco e o preto. É esse o motor do populismo que nos leva a querer apenas o branco ou o preto, o oito ou o oitenta, e é um erro.

É por olhar para 2020 e reconhecer este padrão que espero em 2021, de todos, uma renovada capacidade de escutar, de perceber contextos, de corrigirmos e de sermos corrigidos.

Sempre guiados por factos, por evidências e não pelas opiniões que nos convém ouvir apenas porque valida as nossas opiniões e nunca porque as questiona.

Posso olhar para 2020 e encontrar, ainda assim, coisas positivas. Os avanços da Ciência neste ano estiveram debaixo do olhar de todos no que diz respeito ao combate à pandemia mas não se limitaram a esse círculo.

Na exploração espacial destaco três grandes acontecimentos:

– A Índia lançou o seu primeiro veículo simplificado de transporte de satélites. Na prática é um pequeno foguetão capaz de reduzir grandemente os custos de colocar em órbita satélites de comunicação.

– A China trouxe para a Terra, pela primeira vez desde 1972, amostras do solo lunar após concluir com sucesso a missão Chang’e-5 que transportou um robot até ao nosso satélite natural.

– Os Estados Unidos colocaram, através da SpaceX, astronautas na Estação Espacial usando uma cápsula reutilizável chamada Crew Dragon, montada em cima de um foguetão também reutilizável chamado Falcon 9, que volta à Terra pousando em cima de uma plataforma móvel em alto mar. Ficção científica que se tornou realidade em 2020.

Porque é que é importante que isto tenha acontecido e é importante que aconteça novamente e cada vez mais e melhor em 2021? Porque quando ouvimos e lemos coisas como “porque é que se manda gente para o espaço quando o que é preciso é resolver problemas cá” devemos perceber que é exatamente para resolver problemas cá, para melhorar a nossa vida na Terra, que procuramos conhecimento na exploração espacial.

Esta é uma lista de coisas que só existem no nosso dia-a-dia por causa dos avanços conseguidos pela exploração ao longo das últimas 7 décadas:

– Fatos resistentes ao fogo, usados por bombeiros em todo o mundo

– TAC e Ressonâncias Magnéticas

– Bombas de insulina

– Próteses (mãos, braços, pernas artificiais)

– Cirurgia Lasik para correção de miopia, astigmatismo e hipermetropia

– Filtros de água

– Purificadores de Ar

– Computadores portáteis

– Luzes LED

– GPS

– Comunicações via Satélite (TV, rádio, internet)

Posso expandir a lista de forma quase infinita para os avanços indiretos dados a áreas tão distintas como a saúde ou a agricultura, mas para que a lista não pare de crescer é necessário apostar mais na Ciência em 2021, naquilo que é testar e ultrapassar os limites do nosso conhecimento, aqui e no espaço.

E para que aconteçam os avanços na Ciência, na saúde, na política, no nosso relacionamento com o próximo, tal como Shapley demonstrou em 1920, é preciso que todos os lados estejam dispostos a escutar.

Paulo Costa, Gestor de Produto em TI